Pouco mais de um mês após o início do ano letivo, um tema
polêmico ainda concentra as discussões nas Escolas: a chamada “avaliação
emancipatória”, processo implantado pela Secretaria Estadual da Educação que dá
chance de recuperação a Alunos do Ensino médio reprovados. O secretário da
Educação, Jose Clovis de Azevedo, reconhece que a recuperação precisaria ser
feita ao longo do ano, mas defende a aprendizagem como um direito do estudante.
Nesta entrevista, concedida em março e complementada na semana passada, Azevedo
também aborda o salário dos Professores e outros temas da área.
Zero Hora – No ano passado, o concurso para o magistério teve um
índice de aprovação muito baixo. Qual a sua expectativa para o próximo
concurso, que chegou a ter mais de 80 mil inscritos (com quase 70 mil
inscrições homologadas)?
Jose Clovis de
Azevedo – Fico me perguntando, quando se diz
que ninguém mais quer ser Professor hoje. Claro que vale a pena. Na minha
situação de Professor aposentado, eu vou chegar, no ano que vem, incorporando
esses 76% (de reajuste), a um salário de quase R$ 6 mil. Como é que não vale a
pena uma carreira em que se chega ao final com um salário de R$ 5 mil, R$ 6
mil. Não vai ficar rico, mas é um salário digno, ainda mais considerando que é
uma carreira de massa.
ZH – Recentemente, o Todos Pela Educação divulgou relatório
em que aparecem 226 mil crianças fora da Escola no Estado.
Azevedo – Esse número dos 226 mil não é uma responsabilidade
exclusiva do Estado. O Ensino fundamental é compartilhado com os municípios, e
a Educação infantil é exclusividade dos municípios. No Ensino médio, temos em
torno de 50 mil a 60 mil em idade de 15 a 17 anos fora da Escola. Não temos
nenhum problema para atender esses Alunos, só que eles não aparecem.
ZH – Por que o Ensino médio não consegue atrair os jovens?
Azevedo – Porque o Ensino médio, e o Ensino em geral, é muito
formal, muito fora da vida, fora da realidade. Essa reforma do Ensino médio que
estamos fazendo tenta encontrar esse caminho. Só que não basta o Estado fazer
uma reforma. É preciso que os Professores, que as Escolas, que as famílias
estejam convencidas.
ZH – O senhor conseguiu convencer a comunidade Escolar?
Azevedo – Essas coisas não se conseguem a curto prazo. Os
primeiros resultados no Ensino médio se traduzem no grande entusiasmo dos
Alunos, que fazem pesquisa, descobrem coisas. Mas não é na mesma proporção que
os Professores, com os Professores é mais difícil, mais devagar.
ZH – A avaliação emancipatória está provocando polêmica, e
uma das críticas é o fato desse processo de recuperação ter sido feito em
março. Não deveria ter ocorrido ao longo de todo o ano passado?
Azevedo – Tem que ser feito ao longo do ano, isso está correto. O
processo de avaliação tem que ser permanente e imediato. Se alguém não
aprendeu, tenho que saber naquele momento que não aprendeu e criar as condições
para que ele avance naquele momento. Só que, enquanto isso não acontecer, nós temos
que ter outros mecanismos.
ZH – Mas por que essa recuperação já com o ano letivo
rodando?
Azevedo – Se ela não foi conseguida no ano anterior, ela
tem que ser conseguida durante o processo.
ZH – E se não for?
Azevedo – O problema é de todos nós. Às vezes, o Professor fala
como se ele não tivesse nada a ver com essa situação. Ele é o principal
responsável. Alguém vai dizer: “Está dizendo que o Professor é o culpado.” Não
existe culpa, existe responsabilidade. Nós, Professores, somos especialistas em
ensinar. Quando alguém não aprende, o especialista não está conseguindo cumprir
a sua tarefa. O objetivo da Escola não é reprovar, é garantir a aprendizagem.
ZH – Os Professores dizem que são obrigados a passar um Aluno
que não foi bem.
Azevedo – Ele não é obrigado a passar, ele é obrigado a recuperar
esse Aluno. Pode ser que ele chegue num limite, teve aquele Aluno que não pôde
ser recuperado, e ele não vai passar. E aí não é um problema só dele, é um
problema da Escola enquanto instituição, ela tem que se movimentar nesse
sentido. As pessoas aprendem em ritmos diferentes. E a Escola do século 21 tem
que trabalhar nessa perspectiva.
ZH – Fala-se que seria uma forma de diminuir os índices de
repetência.
Azevedo – Não tem o menor sentido. Não é isso que vai diminuir
substancialmente a repetência, porque vamos continuar tendo, por um bom tempo,
um grande número de Alunos que vai ser reprovado em mais de uma área. Agora, o
interesse do Professor e da Escola deveria ser de diminuir os índices de
repetência. Deveria ser o maior objetivo, não artificialmente, mas pela
aprendizagem. A repetência é um fracasso do Aluno, da família, do Professor, da
Escola e do secretário de Educação. Eu me sinto atingido. Assim foi quando eu
era Professor e hoje sinto da mesma forma.
ZH – Por que a secretaria resolveu ampliar as possibilidades
de aprovação este ano, quando Alunos que tiveram nota ruim em mais de uma área
farão recuperação e podem passar para o 2º ano?
Azevedo – O que está se fazendo é uma oportunidade a mais para
aqueles Alunos que foram mal, não tiveram um bom aproveitamento. Porque nós
temos que estar sempre estimulando o Aluno a crescer, desafiando o Aluno a
superar suas dificuldades. Então essa oportunidade fica ao arbítrio da Escola.
Não significa nenhuma pressão para aprovação de Alunos que não têm condições.
Não significa em hipótese alguma a aprovação automática, não significa que a
Escola não tenha autonomia para aprovar ou reprovar esse Aluno.
ZH – Mas isso não acaba nivelando para baixo a exigência?
Azevedo – Não, porque a exigência é a mesma. É a mesma exigência
de avaliação que o reprovou durante o semestre, no ano anterior. O tempo de
aprendizagem de um Aluno não é o ano letivo oficial, o tempo de aprendizagem
das pessoas é a sua experiência de vida. É um equívoco essa visão predominante
no Brasil de que a Escola existe para medir um nível de conhecimento em
determinado momento e, a partir daí, fazer um julgamento definitivo. A
concepção de avaliação emancipatória é essa que aposta nas pessoas. É uma
oportunidade a mais. Lembro que fui reprovado em matemática em 1962. E tive a
oportunidade de fazer a segunda época em fevereiro. A partir daquela
oportunidade, a matemática passou a ser o principal campo de interesse, e eu
tirei 10 na prova.
ZH – Mas essas oportunidades precisam ser muito bem feitas
para não se correr o risco de empurrar o problema para frente.
Azevedo – Esse é o papel da Escola e do Professor, fazer as
coisas bem feitas.
ZH – As Escolas optaram por metodologias distintas para a
recuperação. Não se corre o risco de ter processos com níveis de exigência
muito diferentes?
Azevedo – Se isso acontecer, não será por esse motivo, porque
isso acontece sem essa oportunidade de recuperação. As Escolas têm níveis de
exigência diferentes, e inclusive diferenciado de um Professor para outro
dentro da mesma Escola. Então isso acontece já. O que nós queremos é que a
avaliação seja uma coisa séria, e que o Aluno para ser aprovado realmente tenha
crescimento perceptível.
ZH – Alguns dos relatos são de que não se teve muitas
condições para se fazer essa recuperação.
Azevedo – Mas aí eu teria que dizer, então, que não podemos dar
aula. Porque as condições são as mesmas, para fazer um trabalho de recuperação
ou para fazer um trabalho tradicional.
ZH – Os Professores estavam preparados para a mudança?
Azevedo – A gente nunca está preparado para as inovações, a gente
se prepara na prática. A Educação no Estado tem sido muito criticada pelos
altos índices de evasão e repetência. Não há nenhum motivo para se dizer que o
que estava sendo feito era melhor do que o que está se tentando fazer agora.
A AVALIAÇÃO
COMO ERA
- O estudante recebia notas, de zero a 10, calculadas com
base no desempenho em testes, trabalhos e outros recursos de avaliação. A nota
era dada por disciplina.
COMO FICOU
- O estudante receberá apenas quatro conceitos – um para
cada área em que as disciplinas tradicionais foram agrupadas: linguagens
(língua portuguesa e estrangeira, literatura, Educação física e artes),
matemática, ciências da natureza (biologia, física e química) e ciências
humanas (história, geografia, sociologia e filosofia).
- Se o Aluno apresentar desempenho insatisfatório em
apenas uma área, poderá passar de ano, na situação de Progressão Parcial. Se
receber conceito insatisfatório em pelo menos duas áreas, é reprovado – neste
ano, no entanto, os reprovados receberam uma chance de passar de ano depois de
recuperação.
Fonte: Zero Hora (RS)