quinta-feira, 19 de abril de 2012

Os brasileiros e o papel da leitura – parte I

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em sua terceira versão, divulgada na semana passada pelo Instituto Pró-Livro, é o resultado de uma evolução desse tipo de trabalho em nosso país. Desde a primeira versão, no ano 2000, passando pela de 2007, os objetivos têm se mantido idênticos. Mas existem mudanças significativas entre cada uma delas, o que torna a comparação uma tarefa difícil e que deve ser empreendida com cuidados. Em primeiro lugar destaquemos as diferenças entre a pesquisa de 2007 e a atual. São duas diferenças importantes.
A primeira é a alteração da ordem das perguntas. Na Retratos da Leitura de 2007, depois das perguntas de qualificação de renda, classe, Escolaridade etc., o questionário começava pela percepção que o entrevistado tinha sobre a importância da leitura, o "valor" da leitura, a posição da leitura em relação ao uso do tempo livre e coisas do estilo. Só mais adiante é que se faziam perguntas objetivas relacionadas aos hábitos de leitura e consumo de livros, como quantos e de que modo haviam sido lidos. Na versão de 2011 - com 5.012 entrevistas realizadas em 315 municípios brasileiros - se inverteu a ordem.
Isso certamente teve um impacto no resultado das pesquisas. Existe uma percepção social da importância da leitura que é muito forte. Quando o pesquisado já sabia sobre o que tratava a pesquisa, podia tender a aumentar o número de livros lidos, ou mesmo mentir sobre se leu ou não. A valorização da leitura pode ter pesado na pesquisa anterior, inflando o resultado. A inversão da ordem das perguntas certamente melhorou a qualidade das respostas.
Outra modificação significativa foi a da redução do período em que se exigia a lembrança do pesquisado sobre seus hábitos de leitura, de um ano para três meses. Desse modo não se exigia um "puxar da memória" que podia induzir a distorções. Isso certamente aperfeiçoou a pesquisa, mas trouxe um problema: dificultou as comparações. Em 2011 estamos tratando de dados mais precisos, enquanto em 2007 pode ter havido certo "ofuscamento" involuntário nas respostas. As comparações, portanto, devem ser feitas a partir do conjunto de dados, e não simplesmente tabela a tabela, ou gráfico a gráfico.
Acredito que a esses fatores se deve a aparente diminuição dos índices de leitura entre as duas pesquisas. Jamais poderemos ter certeza absoluta de que essa diferença se deve a isso, ou somente a isso, mas essa é uma boa pista.
Retratos da Leitura no Brasil é uma pesquisa de opinião. O que se quantifica são opiniões, e essas podem se modificar por vários fatores. Mas o conjunto apresenta indicações preciosas para a formulação de políticas públicas que contribuam para que esse ideal de valorização da leitura se torne uma realidade. O importante é fazer perguntas à pesquisa, lê-la com atenção em função do que se deseja saber, procurando articular o conjunto das respostas. O que se apresenta aqui é um exercício de resposta a algumas questões apresentadas pelos dados da pesquisa. Cada leitor pode ter um conjunto de perguntas diferentes, e precisa se dedicar à busca de suas respostas.

Aumentou ou não o número de leitores no país?
Se considerarmos os dados brutos das duas pesquisas, o número de leitores e os índices de leitura diminuíram entre 2007 e 2011. Alguns outros indicadores permitem matizar essa observação: o número de compradores de livros aumentou e, principalmente, o número de leitores e compradores com idade de quem já saiu do sistema Escolar. As mudanças na aplicação do questionário, como já se disse, podem colocar em dúvida essa diminuição dos índices. No entanto, o conjunto dos dados, por sua vez, permite que se afirme que as políticas de promoção da leitura e de facilitação do acesso ao livro ainda não estão amadurecidas e produzindo efeitos.

Os autores preferidos como vêm e vão?
A lista dos autores mais admirados revela claramente três grupos de influência: Escola, religião e imprensa (escrita e televisão). O autor mais citado, Monteiro Lobato, já aparecia em outras pesquisas quando os livros de sua autoria estavam praticamente fora do mercado. Evidentemente por causa da exibição de "O Sítio do Picapau Amarelo" na TV e de subprodutos com a marca Monteiro Lobato e seus personagens. Os best-sellers mais recentes, principalmente os com foco no público juvenil, constituem a categoria de autores com maior mobilidade, mudando de acordo com os modismos. O bloco dos autores ligados à religião também tem mobilidade, com alguns entrando ("A cabana", de William P. Young e "Ágape", do padre Marcelo Rossi, estão entre os mais lidos), outros saindo e outros mais permanecendo. O bloco de autores "canônicos" revela a presença das exigências Escolares. Mesmo depois de sair da Escola, muitos vão se lembrar de Machado de Assis e José de Alencar porque "eram importantes", mesmo que sua leitura não fosse encarada com prazer quando estudavam. O mesmo vale para os poetas: os que aparecem (como Drummond) são basicamente os adotados, e apenas esses. O brasileiro "lê poesia" na Escola por obrigação ou pelo romantismo adolescente. As listas de best-sellers divulgadas pela imprensa são as mais voláteis, enquanto Escola e influências religiosas têm uma "cauda longa" na memória dos leitores.

Como as pessoas têm acesso aos livros que leem?
Esse quadro apresenta vários elementos de reflexão. Em primeiro lugar, o fato de a maioria dos livros lidos ser comprada, o que significa um forte componente do fator "renda" no acesso ao livro. Mas é notável que o empréstimo entre as pessoas seja o segundo modo de acesso. Isso indica duas coisas: a) um nível muito significativo de intercâmbios interpessoais entre os leitores - uma parte do "boca a boca" dos livros se resolve com empréstimos entre amigos; b) o empréstimo está suprindo parte das deficiências das bibliotecas, demonstrando iniciativa dos leitores e uma "demanda silenciosa" por melhores bibliotecas. Essas relações interpessoais se revelam também no fato de muitas pessoas ganharem livros de presente: 88% das pessoas afirmam que ganhar livros de presente foi importante. Em contraposição aos empréstimos, 5% dos livros lidos foram "xerocados": é outro evidente sintoma das deficiências das bibliotecas. O componente "renda" deixa claro: os livros estão caros e se fossem mais baratos, haveria mais compradores. Campanhas para presentear também deveriam estar na pauta de editores e livreiros.
Fonte: O Globo (RJ)

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