A costureira Célia da Silva vive na Pavuna, subúrbio do
Rio. A jornalista Silvia Ruiz mora em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo.
As duas não se conhecem, estão a exatos 421 quilômetros de distância e
pertencem a extratos socioeconômicos diversos, mas são mães de meninos autistas
e, por isso, estão unidas por uma luta comum: garantir Educação aos filhos, um
direito fundamental e obrigatório, segundo a Constituição, mas, em geral,
desrespeitado, por isso muito lembrado no Dia Mundial de Conscientização do
Autismo, comemorado amanhã.
Nos últimos dez meses, Silvia descobriu que um ato básico
na vida de qualquer criança, como ir à Escola, pode virar um tormento. Tudo por
causa da condição do pequeno Tom, de 3 anos, que apresentava um desenvolvimento
normal para a idade, mas, de repente, parou de se comunicar. O filho foi
diagnosticado com transtorno do espectro autista - caracterizado por
deficiência na interação social, padrão de comportamento repetitivo e
dificuldade na aquisição da linguagem , que ocorrem em graus variados - e ela
foi orientada a matriculá-lo, o mais rápido possível, no Ensino regular, para
ajudá-lo a se desenvolver. Assim o fez, em junho do ano passado. No entanto,
por diversos problemas, Tom já está na terceira Escola.
- Quando o médico fez o diagnóstico, disse que o Tom
precisava ir logo para a Escola, que faz parte do tratamento, pois o modelo vem
das crianças típicas. Mas encontrei dificuldades.
O início do périplo foi em uma Escola particular perto de
casa. Silvia fez a matrícula, mas a coordenadora tentou convencê-la a tratar o
filho com psicanálise. Segundo a jornalista, foram tantos os telefonemas que
ela tirou o filho da instituição. Silvia partiu para outra Escola, também
particular. Pelo menos uma vez por semana, a terapeuta do filho ia ao local
orientar os Professores. Mas percebeu que as dicas não eram seguidas.
- É importante trabalhar com recursos visuais. Fizemos
fotos das atividades da Escola, para ajudá-lo, mas os Professores não as usavam.
Um dia, a terapeuta chegou à Escola na hora do lanche, e o Tom estava na ponta
da mesa, isolado. A Professora justificou que ele poderia pegar a comida dos
amigos. Mas, ao ser colocado com o grupo, ele partilhou o lanche, sem problema.
Aí vi que a Escola não estava aproveitando o suporte que eu estava dando. Há
duas semanas, ele começou na terceira Escola.
Célia disse que também gostaria de pagar um profissional
de apoio para o filho, como Silvia, mas admite não ter condições financeiras.
Talvez, com isso, imagina ela, Matheus teria conseguido se alfabetizar. O
garoto tem 13 anos, estuda em uma Escola pública municipal, de Ensino regular,
desde os 6, mas ainda não sabe ler nem escrever. No contraturno, duas vezes por
semana, ele faz atividade complementar na Associação Mão Amiga, na Pavuna.
- Meu filho estudava no horário normal, mas logo reduziram
a carga, e faz tempo que fica só 50 minutos por dia. Ele gosta da Escola, a
interação é boa, mas sei que a sala ideal tem que ter Professor especializado e
jogos pedagógicos. No grupo de mães que eu frequento, há muitas crianças ditas
incluídas, mas que não sabem ler e nem escrever. E outras estão fora da rede.
Se fosse feita uma pesquisa, iam descobrir tudo isso.
Segundo a lei Berenice Piana, 12.764, aprovada ano passado
no Brasil, e assim intitulada em homenagem à mãe de um autista que tanto lutou
pelo projeto, a Escola é obrigada a dar infraestrutura para garantir a
permanência do Aluno com autismo na Escola regular, inclusive recursos humanos.
Doutora em Psicologia e Professora de Educação Especial da UFF, Dayse Serra
destaca a importância da aprendizagem:
- Na minha pesquisa de pós-doc, os pediatras dizem que,
quanto mais cedo se descobre o autismo, mais chance há de se resgatar o
desenvolvimento típico da criança. Por isso, não se pode reduzir a inclusão à
convivência social. Inclusão é aprendizado e desenvolvimento.
Pesquisas internacionais demonstram que o autismo afeta em
torno de 1% da população. Com isso, há uma estimativa de que teríamos em torno
de 1,9 milhão de pessoas com autismo no Brasil. Mas ainda não existe estudo
nacional que comprove esse número. Se for real, estamos longe da inclusão,
pois, segundo o último Censo Escolar, do Ministério da Educação, em 2012 foram
realizadas 34.144 matrículas de crianças com transtornos do espectro autista no
país, sendo 25.624 em classe comum.
Diante dos problemas, há pais que desistem da Escola ou
optam por Escolas para Alunos especiais. Marie Schenk, porém, é insistente. E,
para ela, a luta é dobrada, pois é mãe de Pedro, de 9 anos, e Luís, de 7, ambos
com transtornos do espectro autista. Ela descobriu a síndrome quando morava nos
Estados Unidos e, ao voltar ao Brasil, batalhou para garantir o direito dos
filhos.
- Lá, existe um departamento de Educação especial que faz
a adaptação, com profissionais especializados, de diversas áreas. Aqui é como
se estivessem só alugando o espaço físico. A classe precisa se adaptar e
incluir essa criança. É aí onde todos ganham, inclusive as crianças típicas,
que aprendem a ser mais tolerantes.
Com dificuldade para matricular Pedro, em Jundiaí (SP), ela procurou o Ministério Público.
Com dificuldade para matricular Pedro, em Jundiaí (SP), ela procurou o Ministério Público.
- Fui na cara e na coragem. Nos primeiros seis meses,
quatro Professores e seis assistentes desistiram. No caso do Luís, fizeram-me
assinar um papel no qual eu dizia que, se ele não aprendesse, não era
responsabilidade da Escola. Existe muita criança fora da Escola. Falta
fiscalização. E não é só a vaga. Tem que dar oportunidade de aprendizado. A
Escola regular é a vida como ela é, as diferenças fazem parte do mundo.
Fonte: O Globo (RJ)
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