A quem o MEC pretende enganar dando nota máxima a redações
do Enem que não demonstram domínio básico do português, ou dando bolsas no
exterior a universitários que não falam um segundo idioma?
O que se esperaria de uma redação nota 10 – ou nota 1.000,
no sistema de pontuação do Exame Nacional do Ensino médio (Enem)? No mínimo, um
texto bem escrito, articulado, em que o autor demonstra seu domínio do idioma
ao não cometer erros (ou, abusando da boa vontade, não cometer erros
grosseiros). Mas, a julgar pela correção das redações do último Enem, os
critérios de excelência usados por Professores em todo o país estão com os dias
contados. Entre os textos com nota máxima no exame do Ministério da Educação
estão peças com erros de ortografia como “rasoavel”, “enchergar” e “trousse”,
revelou o jornal O Globo, que havia solicitado ao MEC exemplos de redações com
nota 1.000.
O Guia do Participante do Enem, ao descrever os critérios
de correção da competência 1 da redação (domínio da norma padrão do idioma),
que vale 200 pontos, afirma que a pontuação máxima é concedida quando “o
participante demonstra excelente domínio da norma padrão, não apresentando ou
apresentando pouquíssimos desvios gramaticais leves e de convenções da escrita.
(...) Desvios mais graves, como a ausência de concordância verbal, excluem a
redação da pontuação mais alta”. Mesmo assim, textos com erros de concordância
também ganharam nota 1.000, como “Essas providências, no entanto, não deve ser
expulsão”, “os movimentos imigratórios para o Brasil no século XXI é (...)” e
“o movimento migratório para o Brasil advém de necessidades básicas de alguns
cidadãos, e, portanto, deve ser compreendida”.
A justificativa do Inep (órgão do MEC responsável pelo
exame) para tal tolerância chega a ofender a inteligência do cidadão comum: os
erros teriam de ser relevados porque se trata de “um egresso do Ensino médio,
ainda em processo de letramento na transição para o nível superior”. Em um
sistema educacional minimamente decente, o “processo de letramento” estaria
concluído no Ensino fundamental, cabendo ao Ensino médio apenas o refinamento
da forma culta.
Antes esse fosse um caso isolado, mas o mesmo MEC que
tolera o “enchergar” e o “rasoavel” em redações com nota máxima também envia
para Alemanha, França, Itália e Estados Unidos universitários cadastrados no
programa Ciência sem Fronteiras e que não falam alemão, francês, italiano ou
inglês. Mesmo sendo incapazes de uma conversação básica no idioma do país onde
estudarão, esses brasileiros recebem bolsas, custeadas com dinheiro público,
para frequentar cursos que não compreenderão. A descoberta das “redações nota
1.000” mostra que não são apenas as línguas estrangeiras que os universitários
desconhecem.
Essas situações revelam que o país vive uma verdadeira
cultura da mediocridade. Em vez de incentivar a excelência e a busca pelo
melhor desempenho possível, programas governamentais como o Enem e o Ciência
sem Fronteiras reduzem cada vez mais seus critérios até que a ignorância se
torne aceitável – e, pior ainda, seja recompensada com uma nota máxima em um
teste, ou uma bolsa de estudos. Nenhum país que pretenda ser líder em Educação,
pesquisa e inovação atingirá tal objetivo seguindo uma política de aceitar
pacificamente a incapacidade de seus estudantes, justificada com argumentos
pífios sobre “processos de letramento” ou remendada com cursos relâmpagos de
dois meses que não fazem um universitário conhecer suficientemente um idioma a
ponto de entender aulas nessa língua.
A quem estamos enganando? O erro grosseiro de ortografia e
concordância que vale nota 1.000 na redação do Enem acabaria com as chances
desse mesmo candidato em um processo seletivo para qualquer emprego que exija
um mínimo de qualificação. Um bolsista monoglota do Ciência sem Fronteiras terá
pouco ou nada a acrescentar ao currículo.
É verdade, as metas de estudantes enviados ao exterior ou
de vagas preenchidas nas universidades federais usando a nota do Enem serão
cumpridas. O MEC poderá exibir orgulhosamente seus índices quantitativos,
sempre convenientes em época eleitoral. Enquanto isso, o Brasil vira, pouco a
pouco, uma nação de ignorantes diplomados.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)
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