Quando viu um dia o saladeiro partir com uma faca de
cozinha para cima do cozinheiro, o carioca Marcelo Botelho pensou que era tempo
de reavaliar sua ideia de ser dono de um restaurante no centro do Rio.
"O problema é a educação, em todos os sentidos",
diz Botelho, que fechou o restaurante Café do Mercado em 2008, depois de três
frustrantes anos em que, além de lidar com todos os problemas burocráticos e
tributários que assolam o pequeno empresário brasileiro, teve de se virar com a
péssima qualidade média dos seus 22 funcionários.
Não eram só as brincadeiras estúpidas, como passar
SuperBonder no cadeado do colega, mas também os furtos sistemáticos e a
incapacidade de fazer contas e medir pesos corretamente, de vestir e manter em
bom estado os uniformes e de cumprir rotinas diárias de limpeza das instalações
ao fim do expediente.
Num episódio típico, o funcionário encarregado de
supervisionar uma festa de fim de ano, para a qual o restaurante vendera um
pacote fechado, cobrou os 10% de gorjeta mesmo sabendo que esta já estava
incluída no contrato. O cliente naturalmente reclamou alguns dias depois, e
Botelho teve de reembolsá-lo.
Botelho pagava salários um pouco acima do mercado, e
exigia ensino médio completo dos garçons, e fundamental completo e frequência
do médio de funções como ajudante de cozinha. "Mas não adiantava
nada", ele lamenta, ressalvando que há exceções, como os dois ótimos
funcionários que ainda hoje trabalham com ele em seus negócios imobiliários.
José Domingos Alves, supervisor geral das Lojas Cem, rede
de varejo com 9.850 funcionários e 202 lojas nos Estados de São Paulo, Minas,
Rio e Paraná, atesta que a disputa por mão de obra com níveis mínimos de
qualificação está se acirrando: "Quantidade de gente tem, difícil de achar
são pessoas com qualidade", comenta o executivo.
Uma função particularmente demandada é a de montador de
móveis, e as Lojas Cem agora tentam abrir a contratação de aprendizes, "o
que era impensável no passado". Segundo Alves, "hoje o investimento
em treinamento é muito maior, porque você pega uma pessoa totalmente
despreparada e tem de qualificá-la".
A paraibana Wilma Cilene Silva Paiva, de 27 anos, é um
exemplo de mão de obra com pouca educação formal trabalhando no comércio. Com
ensino fundamental incompleto, ela trabalha numa lanchonete no centro do Rio.
Wilma gostaria de estudar mais, mas diz que o horário de trabalho não deixa.
Pedro de Lamare, presidente do Sindicato de Hotéis, Bares
e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio), admite que "o serviço no Rio é
deficiente, mas isso se explica porque o nosso é o maior setor em primeiro
emprego, e também pela escola pública de péssima qualidade".
Ele ressalva que o ensino básico está melhorando no Rio,
mas o processo é lento. O desafio, portanto, é aumentar o universo de mão de
obra qualificada com treinamento. O SindRio está preparando um programa-piloto
com a Central Única de Favelas (Cufa), para capacitar 6 mil pessoas por ano em
comunidades faveladas, treinando-as em funções como pizzaiolo, crepeiro e
salgadeiro.
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)
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