Da Brasilândia à Vila Mariana. Ou mais especificamente da
escola estadual Plínio Negrão, na zona norte, ao Colégio Bandeirantes, na zona
sul de SP. Trecho de cerca de 20 quilômetros, que passou a ser percorrido
diariamente por Victor Alexandre de Paula, 18, estudante do 3.º ano do ensino
médio, assim que o jovem deixou a antiga escola pública para estudar no colégio
de ponta. Para Victor, cursar uma instituição privada como bolsista não se
limita a um novo trajeto ou a uma grade curricular mais “puxada”, mas a maneira
como os estudantes precisam enxergar as diferenças sociais para se adaptar a
“um mundo diferente”.
O ingresso do jovem ao Colégio Bandeirantes aconteceu por
meio do Instituto Social Para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talento (Ismart),
uma iniciativa sem fins lucrativos que há 13 anos descobre e apoia jovens com
perfil acadêmico de baixa renda para estudarem em colégios privados de elite. O
jovem é um entre os mais de 700 bolsistas apoiados, apenas no ano passado, pelo
programa, que atua em seis cidades brasileiras em parceria com instituições
como o Objetivo, Santo Américo, Etapa, Móbile e outros, em São Paulo; e São
Bento e Santo Inácio, no Rio de Janeiro.
Apenas em 2011, 94% dos bolsistas que concluíram o ensino
médio foram aprovados em processos seletivos em cursos superiores, sendo que
70% deles passaram para as instituições de ensino federais e estaduais, como
Victor, que recebeu hoje a notícia da aprovação para a segunda fase do
vestibular da Fuvest para economia.
De acordo com Maria Amélia Sallum, diretora do Ismart, o
projeto tem o propósito de dar aos jovens uma formação capaz de não servir
apenas para que sejam aprovados nos principais vestibulares do País, mas que
também possa dar novas referências de vida a eles. “A ideia é dar acesso a
outras coisas, para que possam fazer outras escolhas e, consequentemente,
possam dar uma vida melhor à família”, afirma.
Para dar conta dessa missão, o instituto abarca dois
programas. O primeiro é o Alicerce, no qual Victor foi aprovado, destinado a
alunos do 7º ano (antiga 6ª série). Nele, os estudantes selecionados fazem
jornada dupla, ou seja, estudam normalmente meio período na escola pública onde
já estão matriculados e, no contraturno, realizam um curso preparatório de dois
anos em uma das escolas particulares parceiras do projeto. Depois desse período
de preparação e de conclusão do ensino fundamental, os bolsistas passam a
estudar apenas nas instituições de ensino particulares parceiras. “Os alunos
permanecem nas escolas durante todo o ensino médio, recebem apoio psicológico,
familiar e acompanhamento da equipe do instituto. Todo o benefício é concedido
sem nenhum custo para as famílias”, afirma Maria Amélia.
Já o segundo programa, o Bolsa Talento, é voltado para
alunos do 9º ano, e diferentemente do Alicerce, os estudantes não precisam
passar pelos dois anos de jornada dupla entre escola pública e privada. “Os
alunos entram diretamente como bolsistas na instituição privada parceria, o que
faz com que eles tenham muita dedicação e vontade para superar qualquer possível
defasagem escolar”, diz a diretora.
“Depois que deixei a minha antiga escola e passei a
estudar no Band [Colégio Bandeirantes], nesses três últimos anos, não sabia
como os alunos reagiriam, se fariam alarde ou não. Sempre deixei claro que eu
era aluno bolsista. Não fizeram. Pelo contrário, gostavam de saber como era a
escola pública”, afirma Victor, que sempre morou na Brasilândia e neste ano
recebeu o prêmio de estudante destaque no Colégio Bandeirantes.
Victor é filho único de mãe piauiense que trabalha como
encarregada em uma fábrica, que não conseguiu concluir o ensino médio, e de pai
funcionário público, que está prestes a concluir o curso de letras na USP.
Segundo ele, estudar no colégio privado não trouxe apenas mais chances de
batalhar por uma vaga no ensino superior, mas o ajudou, principalmente, a
ampliar sua visão de mundo, antes ainda carregada de muitos estereótipos.
“Estudar no Band me fez ficar mais tolerante e perceber as disparidades do
mundo entre os que têm mais dinheiro e os que têm menos. Aprendi a conhecer
melhor as pessoas antes de julgá-las. Percebi que os dramas, que antes eu
achava muito fúteis como o fato de o pai ter cancelado a carteirinha do clube
da menina da escola, era algo comum para ela, que teve e tem uma vida diferente
da minha”, diz.
No fim do mês passado, Victor foi convidado para palestrar
no TEDxColégioBandeirantes, onde contou experiências de sua vida quando
estudava em seu bairro. “A escola onde estudava não era maravilhosa, mas também
não era ruim. Um dos principais problemas era a infraestrutura. Lembro de um
momento marcante durante a época em que estudei lá: estava com o portão
fechado, em reunião, por conta de uma reforma. Na frente dela havia um canteiro
de obras e algumas pessoas começaram a jogar pedras em direção à escola. Uma
acertou em cheio a minha cabeça”, afirma.
Fonte: Portal Porvir
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