A população brasileira, em geral- e, em particular, a que
depende da Escola pública -, está à espera de políticas que efetivamente façam
a Educação avançar no País. Nada mais eloquente do que o depoimento da mãe de
um Aluno matriculado no primeiro ano de uma Escola do interior fluminense,
porque ele representa a aflição de muitas outras mães que dependem das escolas
públicas: "A Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiras de Macacu (RJ)
está interpretando que a Alfabetização começa ou pode ser estendida aos oito
anos. Isso é um retrocesso, pois, nos anos 80/90, os Alunos ao final do
primeiro ano já sabiam ler e, no terceiro ano, já tinham acesso a um currículo
muito diversificado. É necessário que a sociedade exija que a Alfabetização
ocorra aos 6 anos de idade, como é na rede particular. Se não for assim, como
fica o princípio republicano da isonomia? O Estado acaba ajudando a
diferenciar seus pequenos cidadãos?".
É natural que uma nação que viu o Brasil melhorar em
tantas áreas espere que seu governo faça o mesmo pela Educação. Tanto quanto é
natural que a população tenha, a expectativa de que as autoridades educacionais
já estejam caminhando nessa direção. Infelizmente, não é o caso do nosso país,
cujas lideranças educacionais insistem em perseguir um caminho próprio e
equivocado, que não leva em conta as evidências científicas sobre o que
funciona no processo pedagógico e as principais experiencias internacionais
de políticas educacionais públicas e eficazes.
Nos últimos anos, especialmente a partir das informações
de dois grandes programas de avaliação estudantil em nível internacional - o
Programa Inter-nacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Tendências
Internacionais nos Estudos de Matemática e Ciência(Timms) - os países desenvolvidos
vêm reformulando seus currículos nas áreas de matemática e de ciências e as
orientações sobre o Ensino da língua e sobre a Alfabetização. Há um ambiente
de colaboração internacional entre as autoridades educacionais, do qual os nossos
representantes têm escolhido não fazer parte.
A demonstração mais recente do isolamento educacional
brasileiro está em duas iniciativas do governo federal a respeito da Alfabetização
Escolar das crianças: a Medida Provisória n.° 586/12 e uma proposta de
normativa para garantir "direitos de aprendizagem". São duas peças
que, uma vez aprovadas respectivamente pelo Poder Legislativo e pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE), servirão de base legal para garantir aos
brasileiros o "direto de aprender a ler aos oito anos". O problema,
muito bem apresentado pela mãe de Cachoeiras de Macacu, é que continuamos sem
ter a definição clara do que é "saber ler" e colocamos um padrão difuso
que está servindo para facilitar a vida de quem não sabe "ensinar a
ler".
A medida provisória trata essencialmente de recursos para
compra de materiais paradidáticos, formação de alfabetizadores e premiação para
quem der conta do recado. Para se ter uma ideia de como o assunto é tratado
por quem estabelece as políticas educacionais, foram enviadas mais de 60
emendas - e duas delas propunham estabelecer a Alfabetização como direito a ser
assegurado aos 6 anos, ao final do primeiro ano do Ensino fundamental, como se
faz nas escolas privadas e no mundo desenvolvido. Essas duas emendas foram
rejeitadas. Outra, que dispensa os tomadores de crédito estudantil de ter
ficha de crédito limpa, foi aprovada, apesar de nem estar relacionada com a matéria
em pauta.
Para ilustrar a dimensão do fosso que nos separa do resto
domundo, fazemos uma comparação de fácil digestão para os brasileiros - com
Portugal.
Recentemente, o currículo de Língua Portuguesa e o de Matemática
para o Ensino fundamental foram reformulados com o objetivo explícito de
melhorar a qualidade e se aproximarem dos demais países da Europa. Esses
currículos, disponíveis na internet, são detalhados e simples o suficiente
para que as famílias possam acompanhar a sua implementação nas Escolas de seus
filhos. Lá até as Escolas particulares tiveram de fazer adequações para
atenderem aos novos padrões, que além de detalhados, são desafiadores para os
Alunos e seus Professores.
Alguns exemplos do que o documento da terra de Camões apresenta:
no primeiro ano o Aluno deve ler, num texto simples, 55 palavras por minuto;
no segundo ano, 90 palavras por minuto e no terceiro ano, 110 palavras por
minuto. Também no terceiro ano os portugueses devem "escrever pequenas
narrativas, incluindo os seus elementos constituintes: quem, quando, onde, o
quê, como. E vão "introduzir diálogos em textos narrativos". Fica
fácil imaginar que,daqui a dez anos, seremos nós os protagonistas das piadas de
português...
Sempre há esperança. No caso da Medida Provisória n.°
586/12, os legisladores poderiam abrir espaço para ouvir outras vozes,
analisar a experiência internacional e avaliar políticas públicas que
efetivamente possam promover avanços na alfabetização das crianças. Poderiam,
por exemplo, começar ouvindo o que a Academia Brasileira de Ciências tem a
dizer - inclusive saberiam que, se existe um ciclo de Alfabetização, ele
deveria começar na Educação infantil e terminar no primeiro ano do Ensino
fundamental. No caso do documento enviado ao CNE, sempre é tempo para retirar
da pauta, rever e incorporar, de maneira consistente, o que o conhecimento
científico acumulado e a experiência de outros países teriam a nos ensinar.
Quem sabe o nosso ministro da Educação, Aloizio
Mercadante, se disponha a ter um curto diálogo com seu colega Nuno Grato, de
Portugal? Ou a presidente Dilma Rousseff se sensibilize com padrões
educacionais que, apesar de nada populares em alguns setores da Educação local,
são ambiciosos o suficiente para tomar o Brasil um país realmente cosmopolita?
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)
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