A resposta é quase sempre automática, mas não deveria ser.
Nós, pais, sem exceção, deveríamos fazer essa pergunta a nós mesmos antes de
decidirmos confinar nossos filhos em uma sala de aula. O que justificaria tirar
uma criança de casa cinco horas por dia, 200 dias por ano, quando ela, em
liberdade, pode aprender muito mais e melhor? Deveríamos nos informar, ler,
reler, cavar fundo, não sem antes chegar diante do espelho, sondar nosso coração
e analisar profundamente nossas motivações. Quando se trata do futuro dos
filhos, todo esforço empregado nessa tarefa ainda será pouco.
Aprendizagem, socialização, profissionalização,
cidadania... Essas palavras fatalmente virão à tona diante dessa pergunta. Mas
será que estaremos garantindo o futuro dos nossos filhos ao colocarmos uma
mochila em suas costas e os enviarmos para a Escola? Será que um diploma
garantirá a eles um lugar ao sol? “Dê raízes a seus filhos e, depois, asas”,
diz o provérbio judaico. Se a nossa motivação é o futuro deles, deveríamos
pensar sob a ótica deles e não em nós mesmos, sob o prisma das nossas
conveniências.
O que garantirá que teremos no futuro filhos
verdadeiramente prontos para a vida adulta? Será que a sociedade atual tem as
respostas? Será que os especialistas de plantão podem indicar o caminho? Será
que deveríamos entulhar a mente de nossos filhos de informações e adestrá-los
para passar no vestibular? O que o conhecimento pode fazer por eles, se não
aprenderem antes a lidar com ele? Há um dito popular que diz “Uma pessoa com
conhecimento e sem sabedoria é como um burro que carrega uma carga de livros”.
Januz Kosack, professor que foi eliminado nas câmaras de gás do regime nazista,
disse “Eu não acredito na Educação, porque os médicos que cometeram atrocidades
eram formados e muito Escolarizados”.
Nunca houve na história uma sociedade tão informada quanto
a nossa; no entanto, nunca houve uma sociedade tão desprovida de valores.
Jovens que só querem tchu e tchá, cujo lema é gozar a vida no sentido amplo e
irrestrito. A maioria dos jovens estão entrando na vida despreparados. Não têm
a menor ideia de o que é ser um pai ou uma mãe. Estão se preparando para serem
profissionais, mas não estão se preparando para a vida.
A própria natureza nos dá a lição. Um pássaro sabe a hora
de arremessar seus filhotes fora do ninho e nenhum especialista pode
convencê-lo do contrário. Há algumas espécies que, no momento crucial, destroem
o ninho. Mas infelizmente o Homo sapiens parece não ter a menor ideia. Pensam
que precisam criar um ambiente artificial para que seus filhos aprendam a se
socializar, quando podem aprender a se relacionar no mundo real. Pensam que
seus filhos precisam passar a parte mais importante de sua existência trancados
em uma sala para aprenderem a ser cidadãos, enquanto a vida pulsa dentro deles
e no mundo ao redor.
Seria justo que uma criança já nascesse com uma sentença
de no mínimo 13 anos de reclusão em um ambiente artificial onde até as
brincadeiras são obrigatórias? Viver atrás das grades curriculares? Para quê?
Para serem alguém na vida? Se a juventude de hoje for a resposta, não vale
cumprir essa pena.
Cléber Andrade Nunes, designer autodidata, é fundador da
Aliança Nacional para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender (Anplia),
educou os dois filhos em casa a partir de 2006 e tem se dedicado a ajudar
famílias que decidem assumir a Educação de seus filhos.
Por que ir a escola é insubstituível?
No Brasil constituímos uma ideia, legalmente incorporada,
de que estar na Escola é um direito de todos os brasileiros e, ao mesmo tempo,
um dever, pelo menos durante uma determinada parte da vida. Mas por que somos
obrigados a ir a Escola? Não podemos abrir mão deste direito? E se avaliarmos
que, para os nossos filhos, estudar em casa é uma opção mais adequada, podemos
dispensá-los de ir a Escola? Nós defendemos a importância da frequência à
Escola para todos.
A Constituição Federal (art. 208), o Estatuto da Criança e
do Adolescente (art. 55, 129) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (art. 6.º) atestam que pais e responsáveis são obrigados a matricular
as crianças e mantê-las na Escola entre os 6 e os 14 anos de idade, pelo menos.
A partir de 2016, o período de Escolaridade obrigatória será ampliado para 14 anos:
dos 4 aos 17 anos de idade todos os brasileiros deverão estar na Escola. Essa
ampliação traz um aspecto importante, que é a obrigatoriedade para o Estado na
ampliação da oferta educacional, de Pré-Escola (para crianças de 4-5 anos) e de
Ensino médio (para jovens dos 15 aos 17 anos de idade); se esses cidadãos
deverão estar matriculados, é preciso, antes, que existam Escolas em
suficiência para todos eles, o que representa um aumento de 800 mil vagas na
Pré-Escola e mais de 1 milhão no Ensino médio.
A despeito do texto legal, não poderíamos mesmo abrir mão
do direito à Escola e educar os nossos filhos em casa? Acreditamos que não. A
Escola tem três funções sociais muito importantes. A mais conhecida é a de
garantir acesso ao conhecimento. Sabemos que a Escola não é a única agência
capaz de fornecer tal acesso. Ainda assim, o conhecimento organizado pela
Escola (nos seus tempos e espaços especializados), com intenções, fins e
objetivos específicos, que se articulam tanto ao desenvolvimento humano no
sentido mais amplo quanto às outras esferas sociais, parece ainda ser
insubstituível.
Contudo, os outros dois papéis sociais são tão ou mais
importantes que o primeiro. Trata-se da tarefa de socialização. A família tem
um papel fundamental no processo de socialização inicial das crianças e
adolescentes; no entanto, a Escola tem uma responsabilidade grande em
colocar-nos em processo de socialização secundária, pois se aprende muito (e
quiçá mais!) sobre a vida em sociedade convivendo com outras pessoas, que são parecidas
e ao mesmo tempo tão diferentes.
A alternativa de estudar em casa deve ser tomada, a nosso
ver, como condição complementar ou suplementar, como um “algo a mais”; ou
substitutiva apenas em casos muito especiais, nos quais seja fisicamente
impossível frequentar a Escola – e, nesse caso, apenas temporariamente,
enquanto perdurar aquela situação de necessidade extrema.
O convívio com outras crianças e adolescentes é
fundamental para a formação humana. Aprende-se muito na Escola enquanto se
aprendem os conhecimentos curriculares: aprende-se a solidariedade, as
diferenças e o respeito, sobre as dificuldades e sobre como enfrentá-las
coletivamente. A Escola contribui muito confirmando a cidadania das crianças e
adolescentes, pois, decorrente das duas tarefas anteriores, a Escola tem o
papel de formar a/para a cidadania, uma vez que articula aqueles conhecimentos
em um contexto social e cultural. Assim, frequentar a Escola significa
potencialmente forjar-se mais e melhor cidadão.
Ângelo Ricardo de Souza e Adriana Dragone Silveira, professores
e pesquisadores, in: Gazeta do Povo (PR)
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