Vou fazer uma pergunta fácil: você teve algum Professor
especial, que fez diferença na sua vida? Se você passou mais de dez anos
estudando, aposto que não apenas a resposta foi positiva, como imediatamente
lhe veio à mente aquele(a) Professor(a). Agora, uma pergunta mais difícil: você
poderia descrever as qualidades desse Professor especial, de forma que seus
atributos pudessem ser copiados por todos os outros Professores em atividade?
Uma série de estudos demonstra que um bom Professor exerce
influência substancial sobre seus Alunos, não apenas durante o período Escolar
mas por toda a vida. Boa Educação melhora a saúde, diminui a criminalidade e
aumenta o salário. Eric Hanushek, pesquisador de Stanford, calcula que um
Professor que esteja entre os 25% do topo da categoria e que tenha uma turma de
trinta Alunos gera, a cada ano, um aumento na massa salarial desses Alunos de
quase 500 000 dólares ao longo da vida deles. O problema é que, mesmo que todos
saibam intuitivamente quem é um bom Professor, ainda não conseguimos explicar e
decompor o seu comportamento de forma que seja possível identificar os bons
profissionais, promovê-los e reproduzir a sua atuação.
Os estudos estatísticos, que se valem de dados facilmente
quantificáveis, nos trazem alguns bons indícios — por exemplo, a experiência do
Professor só importa nos dois a cinco primeiros anos de carreira; Professores
que faltam às aulas têm Alunos que aprendem menos; Professores que obtiveram
notas melhores em testes padronizados, estudaram em universidades mais
competitivas e têm mais habilidade verbal exercem impacto positivo sobre o
aprendizado dos Alunos; quanto mais sindicalizados os Professores, mais eles
faltam e mais insatisfeitos estão com a carreira; e Professores com
expectativas mais altas para seus Alunos também obtêm resultados superiores.
Essas são todas variáveis “de fora”; estudos mais recentes começam a entrar na
Escola e na sala de aula e tentam explicar os componentes de um bom Professor.
Um estudo lançado em janeiro representa um grande passo à
frente (esse e todos os outros estudos citados aqui estão em
www.twitter.com/gios-chpe). Patrocinado pela fundação Bill & Melinda Gates,
ele conseguiu criar um “mapa da mina” para a identificação de bons Professores,
depois de acompanhar milhares de Professores e Alunos em sete distritos
Escolares americanos (incluindo Nova York, Dallas e Denver) ao longo de três
anos. Normalmente, só cito neste espaço estudos publicados em revistas
acadêmicas ou simpósios, que são revisados e criticados por outros acadêmicos,
porque é pequena a probabilidade de uma fundação privada reconhecer em um
relatório que, “depois de três anos de esforços e milhões de dólares gastos,
não encontramos nada de relevante”. Nesse caso, porém, creio que a exceção é
justificada, não apenas por se tratar de uma fundação séria, que chamou
pesquisadores renomados para o trabalho, mas também por seu design inovador.
Em 2009-2010, o estudo tentou criar instrumentos que
identificassem Professores competentes. Chegou a um menu de três itens:
observação de Professores em sala de aula, questionários preenchidos pelos
Alunos e ganhos dos Alunos em testes padronizados, ou seja, quanto os Alunos
daquele determinado Professor ganhavam em aprendizado de um ano a outro nesses
testes (equivalentes ao nosso Enem ou Prova Brasil). Fez-se um trabalho
cuidadoso para estabelecer quem deveria observar os Professores, quantas vezes
e olhando para quais dimensões; como inquirir os Alunos; e no quesito valor
agregado, teve-se a precaução de controlar uma série de variáveis dos Alunos
(status social, situação familiar etc.) para que se pudesse isolar a qualidade
do Professor, não do Aluno.
Mesmo com todos esses cuidados, ainda há muito que não
sabemos nem controlamos que pode interferir nos resultados. Pode ser que os
melhores Alunos procurem os melhores Professores, ou que os melhores
Professores escolham dar aulas para turmas ou séries melhores, e aí o que
pareceria o impacto do Professor seria uma complexa interação entre Professores
e Alunos que inviabilizaria qualquer análise. (Seria como examinar a eficácia
de um médico julgando apenas a taxa de cura dos seus pacientes. Se os casos
mais complicados procuram os melhores médicos, ou se os melhores médicos procuram
os pacientes mais intratáveis, é provável que os melhores médicos e os piores
tenham pacientes com expectativa de vida similar, apesar de terem competências
radicalmente distintas.) A fundação então conseguiu fazer o que se faz nas
ciências exatas para isolar o efeito de uma variável: no ano seguinte,
distribuiu os Professores aleatoriamente. A turma a que cada um ensinaria foi
totalmente determinada por sorteio. Mais de 1 000 Professores, atendendo mais
de 60 000 Alunos, participaram. E os resultados são fascinantes.
Em primeiro lugar, a performance esperada dos Professores
ficou muito próxima da performance real (ambas medidas pelo aprendizado de seus
Alunos). Ou seja, os Professores identificados como bons através das
observações de seus pares, questionários de Alunos e valor agregado em anos
anteriores continuaram, grosso modo, sendo bons Professores ensinando a turmas
aleatoriamente escolhidas.
Em segundo lugar, foi possível sofisticar o modelo.
Testaram-se quatro variações das ferramentas de avaliação dos Professores, e
notou-se que uma das melhores combinações era aquela que dava peso igual (33% a
cada um) aos três componentes (performance em teste, observação e questionário
de Alunos). Quando alguns Professores reclamam que é reducionismo avaliá-los
somente pela performance de seus Alunos em testes, aparentemente têm razão: é
melhor adicionar essas duas outras variáveis. Também se testaram vários modelos
diferentes de observação Docente, desde aquele em que o Professor é avaliado
por seu diretor até versões mais complexas. Os modelos mais confiáveis se
mostraram aqueles em que o Professor foi avaliado por pelo menos quatro
observadores, em aulas diferentes, sendo dois deles pessoas da administração da
Escola (é importante que seja mais de uma para evitar a influência de
conflitos/preferências pessoais) e dois, outros Professores, treinados para a
tarefa.
Nenhum estudo é definitivo, muito menos um feito por uma
fundação, e nada garante que os mesmos achados serão encontrados no Brasil,
ainda que normalmente o que apareça nos Estados Unidos também se verifique
aqui. Mas, ante o modelo atual, obviamente fracassado, em que o Professor é
contratado por concurso no início da carreira e depois fica esquecido em sua
sala de aula, fazendo o que bem entender e sendo promovido por nível de estudo
e experiência, o horizonte descortinado por essa pesquisa é bem mais promissor.
Precisamos encontrar e premiar os bons Professores. E ter ferramentas objetivas
e mensuráveis para tirar os maus profissionais da sala de aula. Sem isso,
dificilmente sairemos dessa pasmaceira.
Fonte: Revista Veja
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