Extra, extra! Alunos do 3ª ano do Ensino médio do Centro
Educacional Pompílio Marques de Souza, em Planaltina, experimentaram, no ano
passado, uma cápsula do tempo imaginária, na qual depositaram seus sonhos de
vida. Uns querem ser médicos, professores e promotores de justiça; outros,
arquitetos, empresários, enfermeiros, nutricionistas, advogados e jornalistas.
Dezesseis jovens garantiram vaga para o sucesso e estão aprovados em
universidades federais e estaduais de Goiás.
A viagem ao futuro foi possível graças à dedicação da
direção e dos Docentes, em especial, da Professora de português Conceição
Guisardi. Apaixonada pela profissão, ela enxergou na Escola — localizada no
bairro Mestre D’Armas, periferia da cidade —, uma possibilidade de dar saltos
mais altos. Tudo começou em 2012, quando a mestra chegou ao colégio transferida
de uma unidade educacional do Paranoá. “Os Alunos tinham pavor de redação. Para
mim, aquilo não era normal”, observou ela.
Em uma tentativa de eliminar o bicho-papão da cabeça
deles, a Professora decidiu reinventar. Em uma das primeiras atividades do ano,
incentivou-os a escreverem uma carta para quem quisessem. A atividade se
chamava cápsula do tempo. Nela, a ideia era que cada jovem contasse como se
imaginava dentro de uma ou mais décadas. “Um Aluno disse que tinha se tornado
um médico e o outro, um advogado”, contou Conceição, orgulhosa.
Ela ainda usou e abusou da tecnologia como recurso
pedagógico. Tornou-se amiga da turma no Facebook. Postava os conteúdos a serem
estudados via mensagem. Tinha data e horário para isso. Corrigia-os
discretamente quando escreviam palavras como “hipocrisia” sem h.
As postagens de Camila Nunes, 17 anos, e de Lucas
Oliveira, da mesma idade, na rede social foram usadas na prova bimestral,
confeccionada em cores e com as mesmas regras de vestibular: era proibido usar
corretivo e as respostas tinham que ser marcadas com caneta azul ou preta. Caso
alguém fosse pego “colando”, a avaliação seria anulada.
O texto “Saudade que já dói”, de Lucas, gerou duas
questões subjetivas para serem analisadas e marcadas. O que deveria ser um
sufoco trouxe estímulo. “Montei uma prova colorida, com fotos e publicações
deles e imprimi tudo em casa. Eles quase enlouqueceram ao verem os próprios
textos na avaliação”, emocionou-se. Enlouqueceram mesmo. Mais que isso.
Sentiram-se importantes, capazes, estimulados.
Aprovação
O Centro Educacional Pompílio Marques de Souza recebe os
louros da aprovação de 16 estudantes em universidades públicas do país. Todos
passaram na Universidade Estadual de Goiás (UEG), sendo 11 para letras e os
demais para pedagogia, matemática e história.
O grupo ainda se inscreveu em vestibulares de
universidades federais. Maria Beatriz Soares, 18 anos, foi uma delas. Ela
passou em direito na Universidade Federal de Mato Grosso e aguarda o resultado
da Universidade de Brasília (UnB). “Nas questões discursivas, a redação ajudou
muito a gente. Quero ser promotora de Justiça porque acho uma linda profissão”,
destacou.
Joadyson Silva Barbosa, 17 anos, deixou de lado os
pensamentos negativos e se dedicou ainda mais aos estudos. Tirou 860 pontos na
redação (1.000 é a nota máxima) e passou pelo Sistema de Seleção Unificada
(Sisu) para odontologia, na Universidade Federal de Uberlândia (MG), mas aguarda
resultado do vestibular para medicina na UnB. “Se eu não passar, vou tentar até
conseguir. Medicina é tudo, é o meu sonho. Antes eu tinha complexo de
inferioridade, mas vi que sou capaz”, admitiu o jovem.
A mãe, Gilmária Santana, trabalha como auxiliar de
serviços gerais no colégio Pompílio Marques e não disfarça a felicidade. “Na
família, ele é o espelho. Estuda o dia inteiro e não quer saber de Facebook ou
videogame. Fico muito orgulhosa”, admite.
Joadyson ainda venceu um concurso de redação promovido
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano passado. Havia cerca de dois
mil concorrentes. O trabalho literário tinha como tema “O papel da internet na
Educação”. O estudante escreveu num trecho da redação que “a internet
transforma paradigmas e integra as pessoas, mostrando-se aliada no processo de
Educação, tanto nas questões sociais quanto nas científicas”.
Furacão na
Escola
Joyce Rodrigues, 16 anos, tirou 900 pontos na prova
dissertativa do Exame Nacional do Ensino médio (Enem) do ano passado. Ela,
porém, estava no 2º ano e não poderá cursar administração. “A redação foi
decisiva. Amo ler e acabo escrevendo bem”, raciocinou a jovem, que diz ler pelo
menos três livros literários por mês. Entre eles, estão A hora da estrela, de
Clarisse Lispector e Dom Casmurro, de Machado de Assis.
Ravane Rabelo da Silva, 17 anos, passou para letras, na
UEG, e prontificou-se a dar aulas de reforma ortográfica a Professores do
colégio. “Eu tinha muita dificuldade para escrever, mas a Professora levantou
minha autoestima”, garantiu. A mãe, Maria Leni Rabelo Campos, 50 anos, estava
maravilhada. “O que aconteceu na Escola foi uma revolução. Eu só tenho o que
agradecer a Professora. Ela mora no meu coração”, elogiou.
A Professora Conceição teve o apoio do diretor Welton Rabelo.
Ambos realizaram projetos e atividades o ano passado inteiro. Promoveram
aulões, uma vez que os jovens não tinham condições de pagar cursinhos. Diversos
simulados foram aplicados em turno contrário. Alunos disputavam quem tirava
nota maior, quem desempenhava melhor as tarefas designadas.
“Em 2012 passou um furacão na Escola. Foi cansativo, mas
quando se tem dedicação e vontade, as coisas funcionam. Os Alunos do 3º ano
deixaram bons exemplos para as outras turmas”, destacou Welton. “Eles são os
mais ciumentos e dedicados que conheci em 14 anos de profissão”, concluiu
Conceição. Fica a saudade.
Vagas na
internet
O informatizado Sistema de Seleção Unificada (Sisu),
gerenciado pelo Ministério da Educação (MEC), é um portal de Ensino no qual
instituições públicas de Educação superior oferecem vagas para candidatos
participantes do Exame Nacional do Ensino médio (Enem).
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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