Por muito tempo se pensou em organizar a jornada Escolar
de tempo integral nas Escolas públicas apenas como forma de atender às
necessidades dos pais que trabalham ou ofertar às crianças mais pobres oportunidades
de utilização do tempo livre com atividades como artes e esportes, que Alunos
de classe média recebem naturalmente de suas famílias. Os resultados do Brasil
no Pisa nos obrigam a olhar com muita seriedade para os imensos desafios que
ainda devem ser enfrentados se nos quisermos colocar não apenas entre as
nações com economias forte, mas também entre as que têm chances de construir um
futuro melhor para as novas gerações.
Esse olhar implica ir além das expectativas imediatas dos
pais e oferecer mais que um espaço seguro ou oportunidades de diversificação
de repertório das crianças. Envolve a consolidação do que é básico na Educação:
desenvolver a capacidade de leitura, interpretação e escrita, raciocínio
matemático e o fomento de mentes investigativas. Para isso, além da oferta de
mais tempo na Escola, deve-se trabalhar com mais tempo significativo de Ensino
e enriquecimento de repertório. Ou seja, a escolha não é entre oficinas
pós-Escola ou mais aulas, ambas são importantes.
Ao buscar um salto na qualidade da Educação carioca, a
partir de 2009, tínhamos consciência de que se deve iniciar o processo de
transformação pela definição do que se espera que as crianças aprendam. Isto é,
não iniciamos o trabalho fixando metas de escolas em tempo integral, mas estabelecendo
um currículo claro e instrumentos pedagógicos a ele associados. Prosseguimos o
percurso investindo em duas peças-chave para a melhoria da aprendizagem:
capacitação de Professores e constituição de um sistema forte de reforço escolar.
Com essas medidas conseguimos avançar muito no índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) e em avaliações externas de que os Alunos do município
participam.
Nas Escolas em áreas conflagradas, onde crianças e jovens
são mais vulneráveis, oferecemos uma modalidade de educação em tempo integral
com oficinas após as aulas, com base no Mais Educação, iniciativa interessante
oferecida pelo MEC. Nelas a Escola pôde selecionar, com base em critérios
próprios, um grupo de Alunos que frequentaram oficinas de artes, esportes e
reforço Escolar. Para que tudo funcionasse bem um Educador comunitário
acompanhava as crianças nas oficinas e fazia a ponte entre estas e as
atividades mais acadêmicas. Dado o sucesso da iniciativa, resolvemos estender
essa forma de estruturação do tempo integral a mais Escolas, em especial as
com desempenho educacional mais fraco. Mas ainda não se tratava de Educação
integral para todos e com uma grade curricular de tempo integral.
Assim, embora essas Escolas tenham apresentado desempenho
melhor, percebemos que seria fundamental estender o tempo de aula reservado ao
currículo básico para podermos, de fato, dar um salto na qualidade na educação.
Projeto de lei proposto na Câmara Municipal abriu uma oportunidade nessa
direção. Estabelecia o projeto a exigência de pôr toda a rede,
progressivamente, em período integral. Numa rede formada por 1.074 Escolas,
essa progressividade fazia muito sentido. Além disso, o Rio, mais que outras
cidades, vive um processo acelerado de transição demográfica, dado que o número
médio de filhos por mulher caiu para 1,6. Assim, se construíssemos rapidamente
o número de Escolas necessárias para todos estudarem em tempo integral, em
pouco tempo elas estariam ociosas.
Aprovada a proposta, elaboramos um plano diretor para pôr
toda a rede em turno único de sete horas de aula para Escolas que atendem do
1° ao 6.° anos e de oito horas para as que têm Alunos do 7.º ao 9°, seguidas de
oficinas de artes, esportes e reforço escolar. Nesse plano não previmos só
obras e contratação de Professores, mas identificamos para cada território a
dinâmica demográfica prevista e quantas unidades de cada tipo de Escola seriam
necessárias, considerando a especialização dos prédios Escolares por tipo de
atendimento: espaços de desenvolvimento infantil, Ensino fundamentai I e II.
Mas não é suficiente pôr todas as Escolas em tempo integral.
A carreira do Professor precisa ser adequada a essa realidade. Não faz sentido
ter um Professor dando aulas em três Escolas diferentes, ou com uma carga
horária de 16 horas, se os Alunos ficam o dia todo na Escola. A implantação da
Escola em tempo integral é um bom momento para fazer cada Professor se dedicar
integralmente a apenas uma delas, com mais tempo para o processo de Ensino e
para maior interação com os Alunos. Assim, a partir do final de 2010 passamos a
realizar concursos apenas para professores com carga horária de 40 horas. É
um grande desafio de gestão definir o sequenciamento da construção de cada
Escola, da lotação de Professores de 40 horas, do investimento em formação
para assegurar um perfil mais voltado para a formação integral do Aluno, que
fica agora o dia todo no ambiente Escolar, e para trabalhar melhor com parceiros
da comunidade que integram as oficinas pós-Escola.
Esse novo perfil também inclui elementos do que Edgard
Morin chamou de religação dos saberes, a possibilidade de tornar o Professor o
mediador do processo de aprendizagem, e não mero fornecedor de aulas, dentro de
sua especialidade. Um Professor mais polivalente, especialista não numa área
específica, e sim profundo conhecedor de como o Aluno aprende.
Esses cuidados, integrados a uma política educacional não
fragmentada, com definição clara do que se espera que a criança e o
adolescente aprendam, podem estar no centro do processo do salto de qualidade
que o Rio e o País precisam dar. Ainda falta muito, mas já dá para enxergar o
caminho, que será longo e não sem percalços.
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)
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