Os programas tipo Bolsa Família nasceram no âmbito do
Banco Mundial - e aqui no Brasil com o trabalho de Cristovam Buarque - com base
numa teoria precisa.
O primeiro ponto foi a análise, em diversos países, dos
programas que entregavam bens e serviços diretamente às famílias pobres
(alimentos, roupas, remédios, material Escolar, instrumentos de trabalho etc).
O governo comprava e distribuía.
Já viu. Havia problemas de eficiência e de corrupção.
Estudos mostraram que, do dinheiro aplicado, na América Latina, a metade se
perdia na burocracia e na roubalheira.
Melhor mandar o dinheiro direto para as famílias. Mas isso
bastaria? A resposta foi não, com base na seguinte avaliação: as famílias não
conseguem escapar da pobreza porque suas crianças não frequentam a Escolas. E
não frequentam porque precisam trabalhar (na lavoura ou nas cidades, caso dos
meninos) e cuidar dos outros irmãos, caso das meninas. Apostando que crianças
com Educação básica têm mais oportunidade de conseguir empregos bons, a ideia é
clara: é preciso pagar para as famílias manterem as crianças na Escola. Daí o
nome oficial do programa no Banco Mundial: Transferência de Renda com
Condicionalidade. O cartão de saque do dinheiro contra o boletim Escolar.
Parece óbvio, mas houve forte debate. Muita gente dizia
que pais e mães gastariam o dinheiro em cachaça, cigarros, jogos e coisas para
eles mesmos, usando os filhos apenas como fonte de renda. O bom-senso sugeria o
contrário. As pessoas não são idiotas nem perversas, sabem do que precisam.
Havia também uma crítica política, curiosamente partindo
da esquerda. Dizia que distribuir dinheiro era puro assistencialismo, esmola e,
pior, prática eleitoreira dos coronéis para manter o povo pobre e ignorante.
Mas essa é outra das teses que a esquerda no poder jogou no lixo.
O fato é que se começou com programas experimentais na
América Central, com patrocínio do Banco Mundial, e funcionou muito bem. Nos
anos 90, a ideia se espalhava pela América Latina. No Brasil, com o nome de
Bolsa Escola (designação introduzida por Cristovam Buarque) apareceu em 1994,
em Campinas, e logo depois em Brasília (com Buarque governador). Foi ampliado
para nível nacional no governo FHC, em projeto liderado por Ruth Cardoso.
Surgiram ainda por aqui programas paralelos, como vale-transporte e bolsa gás.
Lula juntou tudo no Bolsa Família, que passou a ampliar.
Não se trata, pois, de dar dinheiro aos pobres. Se fosse
apenas isso, seria mesmo caridade pública sem efeitos no combate duradouro à
pobreza. Trata-se de colocar e manter as crianças na Escola, ou seja, abrir a
oportunidade para esses meninos e meninas escaparem da pobreza.
No México, aliás, o programa chama-se Oportunidades e o
dinheiro entregue à família aumenta na medida em que a criança progride na
Escola. Vai até a universidade. Há também uma poupança depositada na conta de
crianças, que podem sacar o dinheiro quando se formam no Ensino médio.
Em muitos lugares, há limitação no número de bolsas por
família, com dois objetivos: estimular o controle da natalidade (ou reduzir o
número de filhos) e desestimular a acomodação dos pais. Também se introduziram
outras condicionalidades, como a frequência das mães nos postos de saúde,
especialmente para o acompanhamento pré-natal e parto, e das crianças, para as
vacinas. Ao boletim Escolar acrescenta-se a carteirinha do ambulatório.
Resumindo, o programa funciona no curto prazo - ao dar um
alívio imediato às famílias mais pobres - e no médio e longo prazos, com a
Escola.
Mas há uma tentação perversa. Como o programa funciona
imediatamente, assim que a família recebe o primeiro cartão eletrônico, há um estímulo
para que os políticos se empenhem em distribuir cada vez mais bolsas. É voto na
veia. Ao mesmo tempo, esse viés populista desestimula a cobrança da
condicionalidade. Pela regra, se as crianças desaparecem da Escola ou não
progridem, a bolsa deve ser cancelada. Mas isso pode tirar votos, logo, é
melhor afrouxar os controles.
Resumindo: há o risco, sim, de um belo programa social se
transformar numa prática populista. Quando os governantes começam a se orgulhar
do crescente número de bolsas distribuídas e nem se lembram de mostrar os
resultados Escolares e índices de saúde, a proposta já virou eleitoral.
E quer saber? Ter todos os pobres recebendo dinheiro do
governo não significa que acabou a pobreza. É o contrário, é sinal de que a
economia não consegue gerar Educação, emprego e renda para essa gente. O fim da
pobreza depende de dois outros indicadores: crianças e jovens nas Escolas e
qualidade do Ensino.
Fonte: O Globo (RJ)
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