A precariedade da rede de Ensino local, objeções de cunho
religioso ou moral, a preferência por uma Educação que priorize a construção do
caráter em vez da instrução e a convicção de que o Ensino ministrado em casa
pode ser melhor que o oferecido pelas Escolas são motivos que fazem pais, em
diversos países, manter os filhos em casa em vez de matriculá-los em um
estabelecimento de Ensino convencional. No Brasil, a Educação domiciliar, ou
homeschooling, é proibida; os pais têm a obrigação de matricular os filhos em
uma Escola dos 4 aos 17 anos. Mesmo assim, cerca de mil famílias desafiam a
legislação, dispostas a enfrentar processos e multas em nome do que julgam ser
um direito garantido inclusive pela Declaração Universal dos Direitos Humanos,
em seu artigo 26.
De um ponto de vista puramente teórico, a Educação
domiciliar seria uma opção válida, considerando que os principais responsáveis
pela Educação das crianças são justamente seus pais, e seria deles a escolha do
que julgam ser o melhor método de instrução para os filhos. Além dos Estados
Unidos, muitos outros países garantem esse direito a seus cidadãos, como
Canadá, Reino Unido, Irlanda, Itália, Dinamarca, México, França e Portugal. Em
vários casos, os governos estabelecem algum tipo de controle, que vai da
simples exigência de um cadastro para os estudantes educados em casa até a
aplicação de exames ou a obrigatoriedade de um tutor para acompanhar o
desenvolvimento educacional da criança. Na Islândia, apenas pais com
certificado de Professores podem educar os filhos em casa.
A decisão de adotar o Ensino domiciliar exige muito
discernimento por parte dos pais, porque o que está em jogo é o interesse de
uma terceira pessoa, a criança, que merece amparo e proteção. Fora da Escola,
ela fica privada não apenas de um ambiente construído especialmente para o
estudo, como também da interação com colegas de sua idade. É verdade que, com
disciplina, também a casa pode ser um local propício ao estudo, e que o contato
pode ser suprido de outras formas, como a frequência a atividades
extracurriculares (como clubes esportivos) ou o reforço de laços comunitários
na própria vizinhança. Mas, dependendo da motivação para manter as crianças
estudando em casa, o componente de socialização é fortemente prejudicado – pais
que alegam objeções de cunho religioso para tirar os filhos da Escola, por
exemplo, podem não se sentir confortáveis ao vê-los brincando com vizinhos que
não compartilham dos mesmos valores, aumentando o isolamento do estudante.
É justamente por essa necessidade de discernimento que a
liberação do Ensino domiciliar neste momento seria uma má ideia para o Brasil.
Infelizmente, ainda não há entre a população em geral uma consciência sólida a
respeito do valor da Educação. Casos como o do designer Cléber Nunes, o mais
famoso e bem-sucedido defensor do homeschooling no país – cujos filhos foram
aprovados em exames muito mais difíceis que os aplicados às crianças da mesma
idade regularmente matriculadas em Escolas – são muito raros. A permissão para
o Ensino domiciliar muito provavelmente abriria brechas para toda sorte de
justificativas dos pais, que acabariam privando os filhos de uma instrução
formal, mesmo que de qualidade questionável, como a oferecida por parte da rede
pública. Quem defende a liberação atrelada a uma série de condições, para
evitar os casos de abandono intelectual, poderia observar a dificuldade em
fiscalizar se os beneficiários do Bolsa Família estão cumprindo todas as
exigências do programa. Ela ilustra o que aconteceria no Brasil no caso de
permissão para a Educação domiciliar. Talvez, à medida que a conscientização
popular sobre a importância do Ensino avance, seja possível considerar a
possibilidade de conceder esse direito às famílias; no entanto, fazê-lo agora
seria arriscar o futuro de muitas crianças.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)
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