Temida pelos alunos, a reprovação na escola também é
impopular entre educadores brasileiros. Em 2011, o Ministério da Educação (MEC)
sugeriu que as escolas não reprovassem alunos nos três primeiros anos do ensino
fundamental. Mesmo antes disso, porém, a prática já era adotada informalmente
por alguns Estados.
Desde os anos 1980, movimentos nesse sentido começaram a
tomar forma na tentativa de descontinuar uma cultura de reprovação presente na
sociedade e aplicada à educação. Ainda é cedo para avaliar os resultados dessa
medida de 2011, mas especialistas são a favor da aprovação automática. Eles
defendem mudanças que garantam um melhor desempenho entre os estudantes.
Para o professor especializado na área de políticas
públicas da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Remi
Castioni, a medida é acertada. "A reprovação é extremamente danosa no
bloco inicial", considera. O especialista explica que o alto índice de
reprovação brasileira pode ser influenciado pelo fato de que muitas crianças
chegam à escola aos seis anos sem nenhuma formação anterior, ou seja, sem
passar pela educação infantil. A baixa cobertura da rede de creches e
pré-escolas diminui inclusive a chance de conclusão do ensino médio. Segundo
Castioni, quem frequenta a educação infantil tem chance 30% maior de cursar até
o fim do ensino médio. Por isso, ele defende investimentos nessa área.
"Isso traz benefícios para a trajetória do aluno", avalia.
"Reprovar uma criança não ajuda em nada para melhorar
sua autoestima ou sua vontade de estudar. Pelo contrário", observa o
professor emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG) Miguel Gonzales Arroyo. Para ele, a reprovação é uma medida
antipedagógica e antiética, já que muitas vezes a nota abaixo da média ocorre
somente em uma matéria, mas o aluno é obrigado a estudar todas novamente. A
diretora executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, explica que
ainda hoje, a ideia de que escola forte é aquela que reprova está muito
presente entre os pais. "No nosso imaginário, tem sido difícil de mudar.
Nunca é fácil combater questões culturais", afirma.
Contudo, de nada adianta passar todo mundo sem que o
conteúdo seja aprendido, destaca Priscila. "Temos que acabar com a
reprovação sem que isso reflita na qualidade", diz. Para ela, o desafio do
Brasil é justamente combinar esses dois elementos: aprovação e qualidade.
Arroyo vê como ideal um sistema capaz de avaliar as lacunas que ainda devem ser
preenchidas enquanto o aluno cursa a série seguinte - como se fosse uma
disciplina em dependência. Além disso, estratégias de garantia de aprendizagem,
como oferecer assistência a quem tem mais dificuldades e aulas de reforço ao
longo do ano todo podem, prevenir que um estudante seja reprovado e se torne um
candidato à evasão.
Brasil é um
dos países que mais reprova
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), o Brasil tem uma das mais altas taxas de
reprovação da região. Contudo, nos últimos anos já se observa uma diminuição
significativa na repetência dos alunos brasileiros, antes mesmo da recomendação
governamental de 2011. O País teve a maior redução no índice de repetência
escolar nos primeiros anos do ensino fundamental entre os países da América
Latina e do Caribe - de 24% em 1999 para 18% em 2004. O diagnóstico está
registrado pelo Global Education Digest (GED) 2012, relatório divulgado em
novembro de 2012 pelo Instituto de Estatísticas da Unesco. Além dos dados
brasileiros, o documento traz um panorama global da educação em relação à
repetição de séries e evasão escolar.
Em 2010, 32,2 milhões de alunos repetiram de ano no mundo
(em 2000, esse número era de 34,7 milhões de estudantes) e 31,2 milhões
deixaram a escola antes mesmo de concluir a educação primária - definição da
Unesco para a faixa que, no Brasil, vai do 1º ao 5º ano do ensino fundamental.
A redução de 7% é exaltada no relatório (divulgado em novembro do ano passado),
principalmente porque as matrículas nessas séries cresceram 6% no período (de
654,8 milhões para 691,3 milhões). Do total dos repetentes, o maior número está
na África Subsaariana (35%). A América Latina e a região do Caribe concentram
17% desses alunos, onde a expectativa para a conclusão de todo o ensino
fundamental é de 9,5 anos (quase um ano dedicado a repetir alguma das séries).
Para financiar esses estudantes, os governos também
precisam abrir os cofres. No Brasil, estima-se que aproximadamente 9% dos
custos com educação básica sejam destinados a dar suporte aos que são
reprovados na escola. Além disso, o impacto também pode recair sobre a autoestima
de crianças e adolescentes, atrapalhando seu progresso acadêmico e podendo
levar ao abandono.
O relatório defende o sistema de aprovação automática como
mecanismo para diminuir os índices de repetência, condição apontada como uma
das razões para a evasão. Segundo o documento, essa prática não pode ser
diretamente associada ao desempenho do aluno, uma vez que países com educação
de alta qualidade como Finlândia, Noruega e Islândia aplicam o sistema,
enquanto outros como Bélgica, Canadá, Países Baixos e Estados Unidos impõem a
repetição caso o aluno não atinja as médias. O GED ressalva, contudo, que o
progresso individual de um aluno pode ser impactado por essas políticas. No sul
e no leste da África, por exemplo, crianças que nunca repetiram o ano têm mais
chances de obter melhores resultados em disciplinas que envolvem leitura ou
matemática. Já o progresso de quem ficou pra trás costuma ser mais lento.
Fonte: Terra
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