Os brasileiros são um povo de fé. Segundo dados do Censo
de 2010, 92% das pessoas declaram ter alguma religião, em sua maioria (87%) a
cristã. Essa religiosidade é transmitida às crianças pelos pais e por outros
familiares, mas a forma como esse contato inicial é absorvido é variável. Para
o professor César Leandro Ribeiro, coordenador do Departamento de Teologia da
PUC-PR, se a criança vai ter esse primeiro contato como algo positivo ou
negativo, depende da significação que ela vai dar às descobertas: “A
religiosidade está intimamente atrelada à experiência”, comenta.
Ribeiro exemplifica, dizendo que uma boa relação da
criança com os pais ou com figuras de autoridade torna mais fácil a aceitação
da religião, “pois há uma projeção da imagem da autoridade na imagem de Deus”.
O oposto, garante Ribeiro, também é verdadeiro: relações familiares negativas
podem afastar os jovens da religião.
Após o contato inicial feito em casa, nas escolas, as
crianças têm acesso às aulas de ensino religioso, ampliando o conhecimento e a
compreensão da área. Mesmo que de matrícula facultativa, no Brasil, o ensino
religioso deve ser oferecido pelas escolas públicas de ensino fundamental. Mas,
mesmo que a legislação assegure o respeito à diversidade cultural religiosa do
País, o Ministério da Educação informa que “questões mais específicas são
decididas por cada sistema de ensino, no âmbito de sua autonomia”, o que
significa que o conteúdo ministrado e o respeito à matrícula facultativa fogem
ao controle do órgão federal.
Ribeiro nota uma mudança fundamental na forma como as
religiões são tratadas em sala de aula. “Antes, o ensino era confessional.
Hoje, é área de conhecimento”. Esse novo formato, adotado para abranger o
sincretismo religioso brasileiro, busca o estudo de variadas religiões, do
catolicismo ao candomblé, do espiritismo às crenças orientais. Quem atesta isso
é a pedagoga Tânia Wiacek, que ministra aulas de Ensino Religioso na Escola
Municipal CEI Belmiro César, de Curitiba. “Não há doutrinação, mas uma
apresentação de valores e rituais de cada religião”. Na escola, as crianças
iniciam o estudo das religiões no 1º ano do ensino fundamental, aos seis anos.
Mas o professor Ribeiro diz que existe resistência às
mudanças: grupos defendem a volta do ensino confessional, nos moldes de
pastorais, que atuam mais no campo da ação. A ação pastoral está associada ao
catolicismo e é a forma que a igreja encontra de sair do campo das ideias e
prestar serviços à comunidade.
Como lidar com
as diferenças
Muitas instituições de ensino no Brasil são católicas ou
de alguma ordem religiosa específica. Dessa forma, outra problemática se
apresenta: como o colégio ensina diferentes crenças às crianças. De acordo com
Ribeiro, o mais importante é que se valorize o respeito. “Se alguma escola
católica age com preconceito em relação a algum aluno de outra religião, está
indo contra seus próprios princípios; não está sendo cristã”, diz. Segundo
Ribeiro, precisamos buscar o meio-termo, fugindo de extremismos. Afinal, uma escola
católica, mesmo que baseada nos princípios do Evangelho, vai formar seres
humanos e não necessariamente cristãos, resume o teólogo.
Segundo a educadora Tânia, os alunos aceitam bem as
diferenças religiosas. “O preconceito está nos pais, não nas crianças”, revela.
Frente ao ensino religioso, alguns responsáveis demonstram medo de que haja, na
escola, a doutrinação de alguma crença contrária à que se cultiva em casa. Como
na rede pública de ensino a matrícula na disciplina é facultativa, os pais
podem optar por não inscrever os filhos. "Cabe aos pedagogos explicar as
aulas e explicitar que não há tentativa de doutrinação, mas sim uma
apresentação de variadas culturas”, diz Tânia. Como resultado desse esforço,
revela ela, 100% dos alunos frequentam suas aulas.
O teólogo Ribeiro não vê um distanciamento da nova geração
do campo religioso. Mesmo que as crianças hoje recebam muito mais informações
do que gerações anteriores, para o professor não há uma grande mudança
aparente. “O ser humano, essencialmente, é o mesmo”. Assuntos em alta hoje, a
preservação da natureza e a vida comunitária - mesmo que online - se aproximam
muito mais dos princípios da igreja do que a rebeldia de gerações anteriores,
que lutaram contra todas as formas de autoridade. “Quanto mais eu ando por aí,
mais eu vejo como os jovens são extremamente generosos. Acredito muito nessa
nova geração”, completa.
Fonte: Terra
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