Para Thiago Amorim, 15 anos, estudar e aprender foram
tarefas quase naturais, de tão simples. Sabia todas as letras do alfabeto com
um ano e sete meses. A constatação feita por uma tia, que trabalhava com Ensino
especial, o fez participar de um programa da Secretaria de Educação do Distrito
Federal para superdotados. O acompanhamento ensinava aos pais como lidar com
uma criança tão precoce e estimulava o então bebê na dose certa.
Aos três anos, a leitura fluente, sem nenhum tropeço,
espantava a mãe, a Professora Vânia Amorim Nogueira. Quando chegou o momento de
matriculá-lo em uma Escola, Vânia, que é da rede pública, tentou vagas em um colégio
público para o seu filho. Inúmeros laudos de psicólogos e Educadores que
acompanhavam Thiago orientavam o futuro colégio a matriculá-lo em uma série de
Alfabetização, mesmo com cinco anos.
Incentivo: Caçadores de superdotados investem em crianças
carentes no Rio
Em todas as tentativas, Vânia ouviu “não” como resposta. Para gestores,
diretores e coordenadores, acelerar os estudos de uma criança tão pequena era
quase um tabu. “Há resistência. Mesmo com os laudos, os diretores ficaram
inseguros, achavam que estavam fazendo algo errado. Talvez até por
desconhecimento”, reflete Vânia, que acabou matriculando Thiago em uma Escola
particular. Alan Sampaio / iG Brasília Thiago Amorim, 15 anos, começou a ler
com três anos e, aos cinco, já estava alfabetizado: "pude me desenvolver
mais".
O colégio da rede privada entendeu o que muitos
especialistas defendem: crianças com altas habilidades, em muitas situações,
precisam se adequar à série não apenas pela idade. Alguns conflitos precisam
ser considerados antes da decisão. O primeiro é o conhecimento do estudante, em
geral muito superior ao dos colegas. O segundo é a maturidade da criança, que
também pode não acompanhar a da turma.
Todos os aspectos que envolvem a rotina da criança e seu
ambiente Escolar devem ser avaliados por profissionais especializados.
Estudantes com altas habilidades, avançados na trajetória Escolar ou não, devem
ser acompanhados por essa equipe, especialmente quem deu um salto entre as
séries. Mas, de fato, a prática é pouco realizada. Ainda há desconhecimento
sobre os benefícios dessa alternativa para os Alunos e a legislação que apoia a
prática é falha.
Boas
experiências, divulgação ruim
Essas constatações estão em uma tese de doutorado
defendida este ano na Universidade de Brasília (UnB). Apesar de comuns fora do
Brasil, os estudos sobre o efeito da aceleração na vida de crianças
superdotadas são raros no País. A pesquisa da pedagoga Renata Rodrigues
Maia-Pinto, intitulada “Aceleração de Ensino na Educação infantil: percepção de
Alunos superdotados, mães e Professores”, analisa resultados pela primeira vez
no Brasil, ela conta. Alan Sampaio / iG Brasília Cássio acelerou os estudos na
4ª série do Ensino fundamental e concluiu o Ensino médio com 16 anos. Para ele,
período foi de muito aprendizado.
O estudo mostra que, a despeito da falta de informações
sobre como crianças que avançaram alguma série ao longo da vida se saíram em
suas trajetórias Escolares, as experiências investigadas pela pedagoga foram
positivas. No estudo, Renata entrevistou Professores, pais, mães e 12 crianças
que, ainda na Educação infantil, receberam recomendações para avançarem alguma
série e participavam do programa para superdotados do DF.
“A aceleração foi uma intervenção educacional bem sucedida
para os Alunos e não trouxe perdas acadêmicas ou dificuldades socioemocionais a
eles. Mas ela enfrenta resistência porque não há informação sobre resultados,
os Professores não conhecem os procedimentos de avanço de série”, critica a
pesquisadora.
Renata ressalta que a prática é recomendada aos
superdotados que se deparam com um ambiente pouco desafiador. Para Thiago, por
exemplo, desenhar, pintar e aprender as letras do alfabeto quando ele já lia
tudo sozinho eram tarefas entediantes. “A Escola atendeu a uma necessidade
dele, o adaptou melhor aos conhecimentos que ele tinha. Mas toda a família
recebeu acompanhamento, para que ele pudesse amadurecer também”, conta Vânia.
Na opinião da pesquisadora, que agora é doutora em
Processos e Desenvolvimento Humano e Educação pelo Instituto de Psicologia da
UnB, é preciso regulamentar a aceleração de estudos. “A legislação educacional
brasileira ampara o superdotado, mas traz barreiras à aceleração no primeiro
ano do Ensino fundamental, não define formas ou critérios para adoção dessa
prática, tampouco prevê outras modalidades de aceleração”, diz.
No Ensino superior: Alunos pulam a faculdade e vão direto
ao mestrado
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seu artigo 24, prevê a
possibilidade de aceleração de estudos, mas reforça a possibilidade no contexto
dos Alunos “com atraso Escolar”. Exige o bom desempenho acadêmico para o
avanço, mas não detalha regras. Em pareceres e resoluções, o Conselho Nacional
de Educação tratou do tema, sempre destacando que a medida deve “promover o
desenvolvimento da aprendizagem e não aligeirar o seu percurso”.
Renata acredita que os sistemas de Ensino precisam
pressionar por normas mais claras. “Essas crianças precisam de apoio, de um
ambiente educacional que estimule seu potencial. E as Escolas precisam entender
que há mais chances de uma criança superdotada achar pares entre crianças com o
mesmo nível de conhecimento que ela. Problemas emocionais podem acontecer
independentemente da aceleração”, ressalta.
A prática
No horário contrário das aulas, Thiago desenvolveu
projetos com os companheiros de programa para superdotados. As atividades
exploram a curiosidade das crianças, as ajudam a desenvolver ainda mais suas
habilidades e são oportunidades para que eles convivam com “seus pares”. “Aqui,
eles têm a noção de pertencimento a um grupo, que é importante”, comenta Samuel
de Oliveira José, Professor de Altas Habilidades do DF.
Thiago brinca que, ainda na Alfabetização, percebia que
não era da mesma altura dos colegas. Mas só descobriu que havia sido acelerado
quando estava na 5ª série do Ensino fundamental. “Foi bom porque pude
desenvolver mais meus interesses. O lado mais difícil é o relacionamento com os
colegas e agora acho que vou sair da Escola muito cedo”, afirma sorrindo.
Thiago vai terminar o Ensino médio com 16 anos mal completados.
Cássio Eduardo Silveira Xavier, de 16 anos, vive situação
semelhante. Ele, no entanto, avançou nos estudos mais tarde. Sua mãe demorou
mais tempo a conseguir mostrar aos Professores que o jovem vivia um
descompasso. Cássio foi acelerado quando estava na 4ª série do Ensino
fundamental. O Professor Samuel conta que o estudante foi sempre “um fenômeno”.
Antes mesmo de terminar o Ensino médio, foi aprovado no vestibular da UnB (no
2º ano).
Acompanhado na sala de altas habilidades, Cássio
desenvolveu projetos acadêmicos e artísticos. Hoje, toca violão, teclado e
baixo. Aprendeu tudo sozinho. “Foi importante a aceleração e o acompanhamento.
Isso modificou minha vida, aprendi muito”, diz.
Superdotados:
uma minoria invisível
O secretário de Educação básica, César Callegari, destaca
que as regras da LDB e as normas do CNE estabelecem a possibilidade de
“reclassificação de Alunos por vários motivos”. “Mas esse é um atributo da
autonomia das Escolas, que precisa ser feito mediante rigorosa avaliação”, diz.
Ele lembra que não apenas o desenvolvimento acadêmico deve ser considerado
nessa decisão, mas também possíveis ganhos sociais e emocionais da criança.
Renata reconhece que o desafio não é simples. Em sua tese,
ela define: “é uma medida complexa a ser adotada pela Escola e pela família. A
ausência de regulamentação legal sobre procedimentos de aceleração transfere
para a Escola a responsabilidade de decidir em que condições a criança poderá
ou não ser promovida e qual tipo de acompanhamento será necessário”, critica.
Fonte: iG
Nenhum comentário:
Postar um comentário