Aprovado no mês passado no Senado, o projeto de lei que
prevê a inclusão de duas novas disciplinas obrigatórias (Cidadania Moral e
Ética, no Ensino fundamental, e Ética Social e Política, no médio) já está
causando polêmica antes de ser votado na Câmara de Deputados. Os defensores da
proposta do senador Sérgio Souza (PMDB-PR) argumentam que a atual crise de
valores e o cenário de corrupção justificam os conteúdos. Mas Educadores
ouvidos pelo GLOBO são contra, alegando principalmente que a grade curricular
do Ensino básico já está saturada.
O próprio Ministério da Educação e o Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed) reprovam a iniciativa. O ministro da Educação,
Aloizio Mercadante, frisa que as Escolas públicas já têm 13 disciplinas
obrigatórias.
- A sobrecarga não contribui para o Aluno ter foco nas
disciplinas essenciais, que são Matemática, Língua Portuguesa e Ciências.
Presidente do Consed, Maria Nilene Badeca da Costa diz que
os dois órgãos trabalham juntos na reformulação da Educação básica. Para ela, a
inclusão das disciplinas inviabilizaria o projeto político pedagógico das
Escolas.
- Os currículos estão sobrecarregados. Não é necessário alterar a legislação. O
Consed acredita que a experiência educacional já indica fortemente conteúdos
relativos à ética, cidadania e política - disse Maria Nilene.
De acordo com o Consed, esses conteúdos devem ser tratados
como eixos transversais, permeando a formação dos estudantes em todos os
componentes curriculares.
Mas o senador Sérgio Souza (PMDB-PR) defende sua proposta.
Ele cita um levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial, com 60 países, que
colocou o Brasil na 50ª posição no ranking de corrupção, e no 55º lugar na
ineficiência da Justiça. Questionado se o projeto não seria um mea culpa por
parte da classe política, Souza rebateu:
- Se formarmos cidadãos conscientes para serem
representantes, eles irão para a política com propósitos diferentes, que não
sejam voltados ao próprio interesse econômico. O cidadão já é corrupto no
momento em que quer levar vantagem na fila do pedágio ou do mercado. A cultura
brasileira tem isso de ser país do jeitinho, é vergonhoso.
Souza contestou também os argumentos da falta de tempo e
espaço no currículo:
- Com a proposta de período Escolar integral, essa
justificativa cai por terra. Antes de discutirmos se há espaço, temos que
discutir se é importante.
Os argumentos não convencem Regina de Assis, que foi relatora das diretrizes
curriculares no Conselho Nacional de Educação e endossa as críticas.
- Isso é desconhecimento de currículo. Não vejo necessidade de incluir mais
duas disciplinas. Já faz parte das metas curriculares e dos projetos
político-pedagógicos. Desde a Creche tem que se ensinar a ética a partir de valores
e da prática - diz Regina, doutora em Educação.
Victor Notrica, presidente do Sindicato dos Professores de
Escolas Particulares do Rio de Janeiro, diz que o conteúdo proposto pelas novas
disciplinas já é trabalhado. Ele ressaltou que já há dificuldade de se cumprir
o currículo atual nos 200 dias e 800 horas/ano obrigatórios por lei e salientou
ainda que talvez não haja Docentes especializados para dar esses conteúdos em
disciplinas específicas. Segundo Notrica, se aprovada, a legislação causaria hipersaturação
na carga horária.
Colégios cariocas alegam que transmitem esses valores em
outras disciplinas. O pH, por exemplo, tem a Aula de Vida para o Ensino
fundamental e de Atualidades para o médio. O diretor de Ensino da rede, Rui
Alves, disse que, se a proposta virar lei, o colégio adaptará o conteúdo e
trocará os nomes das matérias:
- São disciplinas importantes para a formação dos Alunos.
A grande preocupação é contornar essa situação dentro da grade desses
segmentos.
Secretária municipal de Educação, Cláudia Costin também
está preocupada com a carga horária.
- Enquanto não resolver a questão da carga horária, sou
contra. Nas nossas 119 Escolas com 7 horas diárias, estamos incluindo a
disciplina Educação para Valores. Nas demais, com média de 4 horas de aula/dia,
se entrar mais uma disciplina, teremos menos tempo para Matemática, Português e
Ciências, que têm se saído tão mal em rankings internacionais.
O texto do senador não é o primeiro a propor mudanças na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996. A alteração mais recente
aconteceu em abril deste ano, quando foram incluídos os princípios de proteção
e defesa civil e a Educação ambiental de forma integrada aos conteúdos dos
Ensinos fundamental e médio nas Escolas.
Mas há outros exemplos. Em 2008, a inclusão de Filosofia e
Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino médio
gerou polêmica e até hoje é questionada. No mesmo ano, a música passou a ser
conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do Ensino de Artes. Incluiu-se também o
estudo da história e da cultura afro-brasileira e indígena em todo o currículo
dos Ensinos fundamental e médio. Mais recentemente, em 2011, o estudo dos
símbolos nacionais foi no Ensino fundamental.
Fonte: O Globo (RJ)
Nenhum comentário:
Postar um comentário