quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Educação pela metade

O Brasil vai investir bilhões em 2016 e organizar um evento provavelmente memorável, mas é incerto nosso salto no quadro de medalhas. Porque atletas destacados e medalhas são consequência de anos de investimento na Educação das crianças, a partir de um Ensino de qualidade, desenvolvido em Escolas com instalações, orientação adequada e tempo para praticar esportes.
Uma pesquisa divulgada em 2012 pelo Instituto Ayrton Senna, Atletas pela Cidadania e Instituto Votorantim mostra que 30% das Escolas públicas brasileiras não oferecem espaço para a prática de Educação física. No Nordeste o percentual chega a 51%. Quando não há espaço apropriado, a aula dessa matéria se reduz, muitas vezes, a estudos teóricos sobre regras e história dos esportes, feitos na mesma sala em que se aprende matemática ou português.
Na cidade do Rio de Janeiro, sede das Olimpíadas 2016, das 1.074 Escolas municipais, mais de 40% não possuem quadra esportiva. Há um esforço de mudança - por exemplo, foram criados os Ginásios Experimentais Olímpicos, com turno integral e duas horas de esportes por dia. Mas existem poucas unidades no município. Nas Escolas sem quadras, na maior parte das vezes podem ser feitas apenas atividades físicas alternativas ou atividades lúdicas.
No Brasil, 56% das Escolas não têm vestiário e 13% não têm bola de futebol. Em geral as aulas de Educação física ocupam dois tempos de 50 minutos por semana. A mesma pesquisa mostra que os Professores conseguem usar, em média, apenas 29 minutos de cada aula para as práticas esportivas, já que os outros são gastos em deslocamento, tarefas burocráticas, mobilização dos Alunos etc.
Não surpreende que se demore tanto a avançar no turno integral, que já era recomendação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando promulgada, em 1996. É que Escola em período integral supõe formação integral do indivíduo, com um conjunto amplo de atividades, no qual o esporte tem papel fundamental.
Não é preciso recorrer ao aforismo latino "mente sã em corpo são" para comprovar a importância do esporte na Educação integral. Crianças esportistas são jovens com mais probabilidade de ficar longe de drogas e perto dos hábitos saudáveis. Além disso, pesquisas da neurociência cognitiva associam os exercícios físicos com o aumento da capacidade de aprender.
O esporte mobiliza a inteligência, envolvendo estratégia, visão global, capacidade de lidar com situações-problema. Mobiliza também as emoções, pois as crianças têm que enfrentar adversidades, encarar momentos de surpresa, decepção, expectativa, lidar com fatos que mexem com a autoestima. Nos esportes coletivos, entram habilidades de cooperação, espírito de equipe, relacionamento, resolução de conflitos e até aspectos de cidadania e valores, postura e disciplina.
Às vezes, basta uma pequena oportunidade para gerar uma mudança que impacta a vida inteira. Por exemplo, em Japeri - um dos IDHs mais baixos do Rio de Janeiro - está o único campo de golfe público do estado. Ali existe um pequeno projeto social com 150 jovens do entorno, que articula esporte e Educação. Pois desse grupo acaba de sair o campeão brasileiro juvenil de golfe, Cristian Barcellos, de 17 anos. E a maior parte das crianças beneficiadas já mostra uma nova atitude na Escola e diante da própria vida.
Quantos outros meninos e meninas com alto potencial, garra e valor têm seus talentos desperdiçados, ao receber uma Educação pela metade? Se fosse diferente, qual seria o futuro desses brasileirinhos como atletas e, sobretudo, como cidadãos? São questões cujas respostas, por enquanto, podemos apenas imaginar.
Fonte: O Globo (RJ)

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