O Brasil
precisa aumentar o número de pessoas com Ensino superior completo. Em 2010
havia cerca de 10 milhões de graduados na população brasileira, que
correspondiam a 10% da população adulta. No México essa taxa é de 15%, no
Chile, 25%, a média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) é de 30%, sendo que na Coreia e nos EUA os graduados formam 40% da
população adulta. Como podemos aumentar o número de graduados no Brasil? Existe
mesmo um apagão de mão de obra qualificada? Que tipos de profissionais são mais
necessários hoje em dia?
Na verdade, é
difícil afirmar que há um apagão generalizado de mão de obra qualificada no
Brasil. O salário médio das pessoas com nível superior declinou na última
década, passando de R$ 4.317 em 2000 para R$ 4.060 em 2010. Essa queda no
salário real foi maior do que a observada entre os que completaram apenas o
Ensino médio cujo salário passou de R$ 1.378 a R$ 1.317). Se a demanda por
graduados no Ensino superior estivesse realmente crescendo a uma taxa superior
à expansão da oferta, os diferenciais de salários nesse nível deveriam estar
aumentando.
Dados de uma
pesquisa recente mostram que a diminuição dos diferenciais de salário do
Ensino superior na última década reflete a queda salarial ocorrida em algumas
formações específicas, que tiveram grande aumento na proporção de formados.
Essas profissões são: pedagogia, administração de empresas, enfermagem,
turismo, farmácia, marketing, atuárias, comércio, terapia/reabilitação,
engenharia eletrônica e de produção. Todas essas carreiras tiveram reduções
salariais significativas ao longo da década, como resultado da grande expansão
de oferta. Vale notar que, apesar dessas reduções salariais, ainda vale a pena
cursar qualquer um desses cursos, já que o seu salário médio continua muito
superior ao do Ensino médio completo.
Dados mostram
que é difícil afirmar que há um apagão generalizado de mão de obra qualificada
no Brasil
A grande
expansão das matrículas nesses cursos atendeu aos anseios de muitas famílias da
"nova classe média", que sonham com o diploma universitário como
comprovante de sua ascensão social. A maior parte dos cursos nessas áreas são
baratos, não necessitam de grandes investimentos em infraestrutura (como
laboratórios de pesquisa) e oferecem um conteúdo menos técnico. Por isso a
demanda é tão grande.
Por outro
lado, outras profissões tiveram aumentos menores e até redução no número de
formados atuando no mercado de trabalho. As principais são: medicina,
odontologia, matemática, quase todas as engenharias, física, química, geologia,
economia e ciências sociais. Nessas profissões o salário real aumentou
significativamente, uma vez que a demanda pelos egressos aumentou mais
rapidamente do que sua oferta. Ou seja, a sociedade está precisando de mais
profissionais dessas áreas. Filosofia foi a única profissão em que o salário
caiu juntamente com a redução da oferta.
Mas, por que
não houve expansão maior de oferta nas profissões que pagam altos salários? O
problema é que grande parte desses cursos são mais difíceis, mais caros e
contam com entidades corporativistas que dificultam a abertura de novas vagas.
O caso de medicina é emblemático. O médico é o profissional mais bem pago entre
todas as profissões, com salário médio de R$ 8.340 em 2010, três vezes maior do
que o dos filósofos. Entretanto, um curso típico de medicina dura seis anos,
além do período de residência que o médico deve cursar para tornar-se
especialista. A mensalidade média de um curso de medicina no estado de São
Paulo é de R$ 4.200, valor que poucas famílias brasileiras teriam condições de
pagar sem acesso a crédito.
Por fim,
entidades de classe frequentemente criam novos exames para os formados e
dificultam a abertura de novos cursos, com o argumento de que é necessário
zelar pela formação dos médicos. Assim, o número de médicos cresceu apenas 9%
na última década, enquanto o total de graduados cresceu 97%. Enquanto isso,
pessoas adoecem e morrem de doenças facilmente tratáveis pelo país afora. O
mesmo ocorre com conselhos e ordens de outras profissões que estão em alta.
Outro aspecto
importante, que diminui o ingresso nas profissões mais técnicas é a baixa
qualidade da Educação básica, principalmente em matemática e ciências. Como se
sabe, o aprendizado nas Escolas públicas brasileiras está entre os piores do
mundo. As deficiências de aprendizado vão se acumulando ao longo do Ensino
básico, fazendo com que o jovem, ao concluir o Ensino médio, tenha poucas
condições de acompanhar um Ensino superior de qualidade em engenharia, por
exemplo.
Além disso,
vários profissionais acabam trabalhando em ocupações diferentes de sua área de
formação. Apenas 10% dos formados em economia, por exemplo, trabalham
efetivamente como economistas. No caso das engenharias, essa proporção varia de
30% e 50%, mas aumentou na última década. Além disso, o diferencial de salário
para os engenheiros que trabalham em ocupações típicas de engenharia também
aumentou. Isso significa, por exemplo, que a sociedade está precisando de mais
engenheiros construindo obras do que trabalhando no mercado financeiro.
Em suma, o
Brasil precisa ter mais pessoas formadas em medicina e nas ciências exatas.
Para que possamos fazer isso é necessário melhorar a qualidade da Educação
básica; aumentar o crédito estudantil privilegiando essas áreas; facilitar a
imigração de profissionais de outros países e evitar que entidades de classe
dificultem o processo de expansão de vagas e o exercício profissional dos
Alunos egressos dessas carreiras.
Naercio Menezes Filho, professor, in:
Valor Econômico (SP)
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