O aumento da
renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida
da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países
desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No
entanto, como mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento
de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável,
uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos
países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o
avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no
entanto, quando há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais
óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem
satisfeitas.
O Brasil é
hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico
Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que
dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para
97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas
agora têm fogão, e o número de residência com computador ligado à internet
quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda
verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do
trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50%
mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho
nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores
com carteira assinada cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.
Ao mesmo
tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para
51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado
do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o
aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de
emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos
estatais, os brasileiros foram às compras.
No entanto,
muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a
assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os
mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e
que não têm Escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.
O IBGE mostra
que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de
água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos
Estados Unidos, segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada
e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas
brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo
acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que
seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente
sombrio na Educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação básica de 2011
mostra que, no Ensino médio, a maioria dos Alunos não sabe ir além das quatro
operações aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.
Tudo isso se
reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do
Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido
cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No
item "saúde e Educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º
lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.
Como se
observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se
referiu o economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de
renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a
"Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o
País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo
ex-ministro Delfim Netto para designar esse festejado Brasil que tem renda da
Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)
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