Se você nasceu antes da década de 90, suas pesquisas escolares não devem ter fugido muito desta rotina: o professor anunciava o tema - podia ser mitocôndrias, guerras púnicas ou triângulos equiláteros, não importava muito - e imediatamente tinha início uma corrida à biblioteca da escola. Se você não era o felizardo a chegar primeiro - e você nunca era -, o caminho era buscar as bibliotecas públicas. Era preciso procurar o título nas fichinhas em papel datilografadas, pedir o livro ao bibliotecário, torcer para a obra estar disponível e em bom estado, para só então começar a pesquisar para valer. Aí era encarar a fila para tirar "xerox" da parte que mais importava, ou copiar os trechos à mão.
A internet mudou tudo isso. Hoje, com um clique e sem sair de casa, é possível ter acesso a informações que antes levava dias para obter. A oferta de livros eletrônicos para computadores, tablets e smartphones cresce rapidamente, e na internet não faltam links para arquivos gratuitos de títulos de domínio público, que podem ser copiados ou impressos livremente. O que não mudou é o desejo humano de guardar todo o conhecimento disponível - ou, pelo menos, o que for possível disso - em um único lugar: a biblioteca.
A Unesco, braço de educação e cultura das Nações Unidas, uniu-se à Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos para criar a Biblioteca Digital Mundial. A proposta é criar uma espécie de biblioteca das bibliotecas, juntando os acervos digitais das principais coleções ao redor do mundo.
A iniciativa é apenas uma das muitas em andamento. A Open Library, de origem americana, já tem 20 milhões de itens digitalizados, entre livros, textos etc. Outra fonte conhecida é o Projeto Gutenberg, cujo nome homenageia o criador da imprensa. A iniciativa reúne 40 mil livros em formato eletrônico em diversos idiomas.
No Brasil, a Biblioteca Nacional começou a digitalizar seu acervo em 2001. Hoje estão disponíveis em formato eletrônico 6 milhões de páginas. O projeto mais recente da Biblioteca Nacional é a Hemeroteca Digital, que reúne jornais, revistas e periódicos desde 1808, quando a imprensa foi criada no Brasil, até 2010.
O apelo crescente do texto digital, que pode ser visto em qualquer tela, coloca em dúvida qual será o papel da biblioteca tradicional no futuro. O receio é que elas sejam abandonadas em troca da conveniência das versões digitais.
Há, no entanto, visões mais otimistas desse fenômeno, pelas quais as coleções digitais são consideradas uma extensão e não um substituto dos acervos físicos. "A biblioteca tradicional ganha visibilidade com a digitalização", diz Angela Bittencourt, coordenadora da Biblioteca Nacional Digital. "Uma pessoa que mora longe pode acessar o acervo a qualquer momento."
Há um antagonismo característico no conceito de biblioteca, que tem de cumprir a função de preservar uma obra e, ao mesmo tempo, colocá-la nas mãos dos leitores. O dilema é que quanto mais a obra é manuseada, mais difícil fica conservá-la, diz Angela. A digitalização ajuda a resolver esse problema ao manter a integridade da obra física - em especial livros raros - sem restringir o acesso do público.
Como toda técnica, no entanto, a digitalização também tem limites. Os direitos autorais são um dos principais fatores que restringem o processo. As bibliotecas podem até digitalizar seus acervos integralmente, mas só podem dar acesso eletrônico aos livros de domínio público ou obras das quais tenham obtido permissão prévia dos autores.
A questão dos direitos autorais levantou uma onda de críticas ao Google, anos atrás, quando a empresa iniciou uma campanha maciça para obter a aprovação de autores ao redor do mundo para digitalizar seus livros. O receio era que a companhia passasse a exercer uma importância exagerada no universo literário.
Uma alternativa para evitar esse tipo de problema, usada atualmente pelo Google Books Library Project, é dar acesso parcial a obras protegidas por direitos autorais.
A digitalização ajudou a reavivar até a Biblioteca de Alexandria, a mais célebre coleção de livros da história. Não se tem certeza de quando a biblioteca foi destruída, mas uma das teses é que navios incendiados da frota de Júlio Cesar atingiram o prédio acidentalmente. A rainha Cleópatra, que teria chorado ao ver a coleção em chamas, provavelmente aprovaria a nova versão digital, menos vulnerável a incêndios.
Fonte: Valor Econômico (SP)
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