Pobre Lobato.
Esteja onde estiver, deve estar assombrado. Acostumado a um passado de glórias,
escritor conhecido pela célebre frase "Um país se faz com homens e
livros", reconhecido internacionalmente como o maior escritor da
literatura infanto-juvenil brasileira. Autor do conto Negrinha, uma denúncia
contra as elites que, na década de 20 do século passado, ainda estava saudosa
da escravidão, se vê agora caçado como um criminoso, perseguido e acusado de
racismo, justamente algo que denunciou em várias de suas obras.
A acusação
apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que iniciou no ano de 2010, e
que nas últimas semanas voltou às páginas dos noticiários, parte do Instituto
de Advocacia Racial (Iara). O Instituto afirma que a obra do autor,
principalmente Caçada de Pedrinho, tem elementos racistas e exige a publicação
de uma nota explicativa nos livros e a capacitação dos Professores para
trabalhar os textos com os Alunos.
Se assim for,
também se deve caçar Jorge Amado, pois em Capitães da areia é nitidamente
descrito cenas de estupro e pedofilia, além do autor colocar um adolescente
loiro como chefe de um bando de meninos negros. Nelson Rodrigues também deveria
ser acusado de preconceito contra as mulheres, pois ele é o autor da famosa
frase "Nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais". Fernando
Sabino também deveria ser proibido nas salas de aula, pois, em A última
crônica, escreveu "Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de
sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de
espelhos", texto que está em quase todos os livros didáticos.
Qualquer
Professor que trabalha literatura sabe que para compreender uma obra literária
é preciso antes contextualizá-la em seu tempo. Sabe também que autor e narrador
não se confundem, que a opinião do narrador nem sempre expressa àquilo que o
autor é ou acredita. Se assim fosse, Machado de Assis seria cruel, desumano,
como seu narrador Procópio, em O enfermeiro.
O autor
Monteiro Lobato foi empreendedor, político e um ferrenho defensor da cultura
brasileira. Os seus inúmeros narradores são personagens fictícias, inventadas
para nos contar aquilo que ele via acontecer na sociedade, para retratar e
explorar a realidade de seu tempo. Infelizmente, a escravidão faz parte da base
da história brasileira, preconceito seria não abordar esse fato em sala de
aula, apagando-o, trancando-o em um armário, como se nunca nada tivesse
acontecido.
Como bem
afirmou o jornalista e escritor Ruy Castro: "As pessoas que acusam
Monteiro Lobato de racismo e de querer "extinguir a raça negra"
certamente nunca leram uma linha do que ele escreveu...". Os que acusam o
autor de O Sítio do Picapau Amarelo não são Professores, leitores, ou críticos
literários, e sim pessoas que, certamente, nunca tiveram o prazer de deliciar-se
com as narrativas de Lobato.
Colocar uma
nota explicativa em uma obra literária e dizer que o Educador deve ser
capacitado para trabalhar textos de Lobato em sala de aula é afirmar que as
universidades brasileiras de letras são medíocres, é taxar o Professor de literatura
de idiota. Censurar a leitura de Lobato é subestimar a inteligência das
crianças, é supor que os jovens leitores são desprovidos de qualquer senso
crítico e inteligência.
Fonte: Jornal do Tocantins (TO)
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