O papel aceita
tudo, e nada mais propício do que uma campanha eleitoral para dar asas à
criatividade de nossos políticos. Bombardeado pela avalanche de cenários róseos
- se eleitos, os candidatos universalizarão a matrícula, ampliarão a carga
horária, valorizarão o magistério, criarão escolas inclusivas, próximas da
comunidade, com tablets e tecnologia de ponta -, talvez o eleitor comum
encontre dificuldade em destrinchar todo esse mar de promessas, separar o
relevante do desnecessário e distinguir o exequível da promessa oca. Na última
semana, pesquisei os programas de governo dos candidatos a prefeito das
principais capitais brasileiras, mirando suas plataformas na área educacional.
Apesar de várias dessas capitais - Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus - terem
realidades bastante diferentes, há uma convergência incrível de propostas,
inclusive entre candidatos de partidos antagônicos, em um indicador de que o
marketing venceu o conteúdo. Elenco a seguir as principais promessas, e a elas
contraponho aquilo que a literatura empírica revela que daria mais resultado.
Se, é claro, os candidatos se interessassem por gerar melhorias na qualidade da
educação, e não simplesmente por ganhar o seu voto.
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ENSINO EM TEMPO INTEGRAL
O que os
candidatos prometem: aumentar fortemente o número de alunos em ensino de tempo
integral, usando o contraturno especialmente para atividades culturais.
O que
funciona: não há evidência de que a implantação do tempo integral leve a
avanços na aprendizagem. O calendário brasileiro prevê 800 horas-aula por ano.
Nos países da OCDE, aqueles com a melhor educação do mundo, a média no ensino
fundamental é de 743 horas. No Brasil temos 200 dias de aula. Nesses países, há
186. Quantidade não é qualidade. O problema maior de nossas escolas não é que a
jornada regulamentar não seja longa o suficiente, e sim que ela não seja
cumprida. Um estudo do Instituto Unibanco em dezoito escolas do ensino médio
mostrou que 22% das aulas previstas eram canceladas -- é como se o aluno
tivesse um dia inteiro da semana livre. Além disso, mesmo quando a aula ocorre,
seu aproveitamento é muito baixo. O estudo acima, além de outro do Banco
Mundial (disponíveis em twitter.com/gioschpe), sugere que algo entre 29% e 39%
do tempo de aula seja desperdiçado com atividades que não têm relação com o
ensino. Antes de ampliarem a jornada, portanto, nossos gestores deveriam se
empenhar para que o longo calendário atual seja cumprido. E se, depois disso,
quiserem implementar o ensino integral, que o façam com o ensino das
competências nas áreas de matemática, português e ciência, que possibilitarão
ao aluno pobre ter um futuro melhor, Aulas de balé, judô e crochê não fazem o
ensino progredir e não têm impacto no desenvolvimento acadêmico.
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TECNOLOGIA EM SALA DE AULA--------------------------------------------------------------------------------
O que os
candidatos prometem: instalar laboratórios de informática e redes wi-fi nas
escolas, distribuir laptops ou tablets a alunos e professores, colocar lousas
mágicas em sala de aula.
O que
funciona: não há nenhuma evidência de que qualquer dessas medidas tenha impacto
sobre o aprendizado, como detalhei no artigo “A tecnologia não nos salvará”
(VEJA, 21 de março). Não adianta muito a instalação de hardwares ou softwares
quando os professores não estão capacitados a usá-los e quando os alunos
entendem muito mais do universo virtual do que seus mestres. É possível ter
educação de qualidade sem alta tecnologia desde que os profissionais da
educação sejam qualificados e comprometidos.
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VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO--------------------------------------------------------------------------------
O que os
candidatos prometem: aumentar o salário de professores, estruturar carreiras
atraentes, investir em eventos de formação de professores.
O que funciona: salário de professor não tem relação com a qualidade do ensino
ofertado. A pesquisa sobre o assunto é farta, e a inexistência dessa correlação,
conclusiva. Quando um candidato fala sobre plano de carreira, o que ele
normalmente quer dizer é que os professores terão aumento de salário de acordo
com a sua experiência e/ou nível de conhecimento profissional, sem nenhuma
relação com seu desempenho e o aprendizado dos alunos. Quando fala de formação,
é preciso esmiuçar exatamente o que quer dizer. Como a maioria das cidades não
conta com universidades municipais e os prefeitos não têm ingerência sobre o
currículo das universidades privadas, federais ou estaduais, ao falar sobre a
formação do professor, o candidato normalmente quer gastar dinheiro com cursos
comprovadamente ineptos ou promover eventos de “treinamento” que, na verdade,
são eventos de lazer, em que alguém canta, outro declama um poema, há um
teatrinho e uma palestra com algum autor de autoajuda de quinta e estamos
conversados. Nada disso adianta. É curioso que os candidatos não falem quase
nada a respeito de um profissional que tem importância decisiva na qualidade de
uma instituição de ensino e sobre o qual os prefeitos, sim, têm influência: o
diretor de escola. Duas medidas simples já ajudariam: aumentar o salário dos
diretores (a pesquisa mostra que, no caso deles, o salário tem relação com a
qualidade do aprendizado) e prometer que não haverá indicação política para
esse cargo, e sim processo seletivo composto de prova e posterior eleição pela
comunidade escolar.
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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DEMOCRÁTICA--------------------------------------------------------------------------------
O que os
candidatos prometem: fazer com que todas as escolas estejam preparadas para
receber alunos portadores de necessidades especiais e que tenham relacionamento
mais próximo com os pais dos alunos, em alguns casos matriculando-os na escola
inclusive.O que funciona: o que quer que você ache sobre a inclusão de alunos
com problemas físicos ou cognitivos, o fato é que eles representam um
contingente pequeno, cerca de 1,5%. Há outro problema mais sério que acomete
até 50% dos alunos e sobre o qual ninguém se manifesta: os distúrbios de saúde
que afetam o aprendizado. É relativamente simples tratar uma criança hoje
marginalizada por um problema de audição ou visão e vê-la tornar-se um bom
aluno. Uma proposta simples e relativamente barata que todo candidato poderia
fazer é realizar um exame de saúde básico em todos os alunos da rede nos
primeiros dias do ano letivo. A China faz isso, com ótimos resultados. Belo
Horizonte também. Uma medida objetiva da real intenção democratizante dos
candidatos seria garantir que toda escola tenha um Conselho Escolar que
congregue pais, alunos, diretor, professores e funcionários. Só um terço das
escolas brasileiras ainda não tem conselho. Implantá-lo em todas as escolas e
reservar a presidência aos pais seria um bom começo.
P.S. Seria
injusto deixar de apontar boas surpresas ditas por candidatos. Marcio Lacerda,
em Belo Horizonte, e Eduardo Paes, no Rio de Janeiro, têm programas que, em
linhas gerais, este articulista assinaria embaixo: compromisso com a qualidade
do ensino, foco na garantia do aprendizado (com alfabetização na idade certa),
metas ambiciosas e objetivas, calcadas em índices como Ideb e IDH, e ênfase na
qualificação do professor.
Gustavo Ioschpe,
in: Revista Veja
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