Projeto de autoria do senador paranaense Sérgio de Souza, já aprovado em caráter terminativo, cria mais disciplinas obrigatórias a serem prelecionadas nas salas de aula do ensino fundamental e médio. Em tese, parece tratar-se de uma iniciativa importante: os alunos vão aprender sobre ética e política – sem dúvida, dois assuntos para os quais a juventude deve ser preparada, pois dizem respeito a valores que constituem a base em que se sustentam a saudável convivência social e o necessário progresso humano que todos almejamos.
Crianças e jovens que, desde cedo, aprendem valores éticos, inclusive em relação ao trato da coisa pública, provavelmente serão menos tolerantes no futuro não apenas com o mau uso do poder concedido a detentores de cargos eletivos, mas também com as pequenas corrupções do dia a dia, que já vêm sendo alvo de campanhas de conscientização como as elaboradas pelo Ministério Público, tanto na esfera estadual quanto federal – algumas dessas iniciativas, inclusive, também se dirigem a crianças e adolescentes nas escolas.
Da tese à prática, no entanto, a distância é enorme. As inegáveis boas intenções do projeto colidem com inúmeros fatores que podem levá-lo a produzir efeitos contrários àqueles pretendidos. Em primeiro lugar, na linha do que defendem muitos educadores, a ética é um conjunto de valores que se transmitem empiricamente a partir da educação familiar, no âmbito sagrado dos lares. É por esse enfoque que deve ser visto o desabafo da diretora-executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz. “O que acontece é que tudo recai na escola”, afirmou sobre o projeto, ressaltando que é importante reverter a crise de valores que assola a sociedade. Transmitir valores éticos é missão fundamental da família; às escolas caberia organizar e tornar compreensíveis os princípios que os regem – sujeitando-os, contudo, aos perigos do relativismo, da subjetividade e da doutrinação de caráter moral nem sempre aceitáveis pela média da sociedade.
Dá-se o mesmo quando se trata de “ensinar” política aos alunos, tema facilmente contaminável pelo proselitismo partidário ou ideológico que muitos professores ou escolas poderão ser tentados a fazer, deixando em segundo plano o conhecimento do tema como Ciência de Organização dos Estados e como instrumento de conquista e preservação do poder com o fito de promover o bem comum. Desde 2007 esta Gazeta do Povo vem denunciando o viés ideológico de conteúdos escolares – inclusive no Livro Didático Público editado pelo governo estadual –, vestibulares e concursos, e as novas disciplinas correm o risco de padecer do mesmo mal.
Em certo sentido, o projeto lembra a criação da disciplina de Educação Moral e Cívica pelo regime militar instaurado no país em 1964. Se, por um lado (bom), se procurava estimular os jovens estudantes a conhecer, respeitar e cultuar os valores pátrios, de outro (ruim) servia para a pregação doutrinária e política condizente com a manutenção do regime autoritário de então. Os tempos são outros, mas partidarismos e sectarismos políticos continuam presentes e não devem ser objeto de sujeição das mentes infantis ou jovens, ainda imaturas e naturalmente acríticas em relação ao que lhes é ensinado.
Ademais, há consenso entre os mais respeitáveis e experimentados educadores relativamente à excessiva quantidade de disciplinas obrigatórias hoje presentes nos currículos escolares. São 13 – fator que certamente dispersa a atenção para a transmissão de conhecimento de matérias fundamentais nos primeiros anos da escolarização. Quando se sabe que estudantes que finalizam o ensino médio conseguem atingir o grau universitário com níveis sofríveis de alfabetização, é ingênuo imaginar que a disciplina de Ética e Política possa melhorar este quadro sombrio.
Muito embora reconhecendo, na teoria, os méritos da iniciativa do senador paranaense, melhor seria para o país que o Estado e a sociedade em geral se concentrassem na melhoria da qualidade da educação brasileira, sobretudo nas áreas de linguagem, Matemática e Ciências, com objetividade e sem dispersão de energia e recursos.
Fonte: Gazeta do Povo (PR)
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