O sociólogo
suíço Philippe Perrenoud é, sem dúvidas, um dos nomes mais importantes da
educação, não somente no Brasil como no mundo inteiro. Referência para os
educadores devido a seus pensamentos sobre a formação de professores e
avaliação de alunos, ele é professor emérito da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Genebra, na Suíça, além de ser fundador
e diretor – juntamente com sua colega, a pesquisadora Monica Gather Thurler –
do Laboratório de Pesquisa em Inovação na Formação e na Educação (Life), também
em Genebra. Autor de 20 livros e de inúmeros artigos, uma de suas obras mais
conhecidas é Dez novas competências para ensinar (Editora Artmed), na qual
elenca as habilidades que todo educador deve possuir se quiser ser um professor
de sucesso.
Para
Perrenoud, no entanto, definir o que é competência não é algo simples: trata-se
de quando o profissional domina uma família de situações de trabalho e a coloca
em sinergia para a solução de um problema ou obstáculo. Essa sinergia provém,
em parte, do julgamento profissional e do raciocínio, mas também de
funcionamentos mentais menos conscientes, do inconsciente prático. Com base
nesta definição, ele elaborou uma lista com dez referenciais de competências,
inspirados na identificação de problemas que, apesar de possuírem suas próprias
particularidades, são similares na essência. Os referenciais são: organizar e
coordenar as situações de aprendizagem; gerir a progressão das aprendizagens;
conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; implicar os alunos
na sua aprendizagem e no seu trabalho; trabalhar em equipe; participar da
gestão da escola; informar e implicar os pais; utilizar as novas tecnologias;
encarar de frente os deveres e os dilemas éticos da profissão; e gerir a sua
própria formação continuada. No entanto, o desenvolvimento dessas competências
não é simples e pode acarretar também em problemas para os estudantes. É sobre
esse tema que Perrenoud palestrou no mês de julho no Fórum Internacional de
Gestão, Liderança e Competências na Educação, realizado em Curitiba (PR). Após
a conferência, ele falou com exclusividade para a Gestão Educacional sobre como
o gestor pode ajudar o professor no desenvolvimento de suas competências e como
evitar que o educador não cometa erros cruciais que possam prejudicar o
processo de aprendizagem de seus alunos.
Gestão Educacional:
O senhor citou em sua palestra certos riscos que os alunos correm e que são
relacionados às competências dos professores. Quais são esses riscos?
Philippe Perrenoud:
São quatro perigos relacionados ao fato de incentivar e estimular os alunos na
sua aprendizagem e no seu trabalho, que envolvem se concentrar, refletir,
questionar e se exercitar para gerar conhecimentos. Os riscos [estão
relacionados com o fato de que] o professor não compreender os processos de
aprendizagem e, por conseguinte, não saber induzi-los nem regulá-los; o
professor não domina, nem na teoria e nem na prática, a transposição didática
dos saberes a serem ensinados; o professor não sabe dar sentido ao trabalho e
aos saberes escolares; e o professor não sabe adaptar a sua ação pedagógica à
diversidade dos alunos. Em resumo, esses riscos se referem à construção do
conhecimento, dando sentido a esse processo de construção, mas respeitando as
diferenças dos alunos e adaptando sua ação pedagógica a cada um.
Gestão Educacional:
E como o gestor educacional pode ajudar o professor a combater esses riscos?
Perrenoud:
Primeiramente, o gestor pode ajudar o professor a ter consciência desses
problemas e, em seguida, a aceitar que é normal não ser perfeito em todas as
áreas do ensino. Também é importante ajudar o educador a enxergar as lacunas
maiores e oferecer ao professor cursos de formação que o ajudem a lidar com esses
e outros riscos.
Gestão Educacional:
Em sua opinião, quais são as maiores deficiências na formação de professores
hoje em dia?
Perrenoud:
A principal deficiência é o fato de os cursos de formação levarem em conta
apenas uma parte do que é a profissão do professor. A ênfase maior é dada nos
saberes a serem ensinados dentro da sala de aula, ao passo que o foco é muito
pequeno no “saber ensinar”, quer dizer, nos conhecimentos didáticos e
pedagógicos. Essa é a lacuna, eles dão ênfase demais nos conteúdos a serem
ministrados e não no saber ministrar esses assuntos.
Gestão Educacional:
O senhor é defensor do sistema de ensino baseado em ciclos de três anos. Quais
são as vantagens desse modelo perante o sistema atual?
Perrenoud:
Se os ciclos forem utilizados nessa ótica de diferenciar o ensino, dando prazos
maiores para os alunos e permitindo o trabalho em equipe, eles são excelentes.
Os ciclos só são melhores que o sistema utilizado hoje se eles permitirem que
você possa ministrar um ensino diferenciado. Aí sim eles vão melhorar o ensino.
Gestão Educacional:
O senhor também afirma em suas obras que o sistema de avaliação atual cria uma
hierarquização entre os alunos. Portanto, como podemos avaliar os alunos sem
criar essa hierarquia?
Perrenoud:
Na realidade, é só avaliar os alunos em função dos objetivos propostos pelo
currículo escolar, e não comparar os alunos entre si, pois aí você não cria
essa hierarquização. Mas, os pais querem essa hierarquização, os alunos também
querem. Então essa hierarquização, nem que seja informal, vai existir sempre.
Na realidade, o professor tem que ter como ponto de referência os objetivos do
ciclo ou do ano, [saber] como é que o aluno se situa em relação ao fato de ter
atingido ou não os objetivos propostos.
Gestão Educacional:
Qual o segredo do trabalho em equipe na educação?
Perrenoud:
O segredo está em saber que não é fácil todos os dias, que existem disfunções,
irritações, desigualdades e que tem que se falar disso para encontrar uma
resolução. É importante também não esquecer que é necessária uma esfera privada
dentro da vida profissional, na qual você deve dar uma margem de autonomia para
cada professor.
Gestão Educacional:
Como o gestor educacional pode enfrentar os deveres e dilemas éticos da
profissão?
Perrenoud:
Como todo mundo: fazendo o melhor que se pode em face de valores e elementos
contraditórios, porque não existe dilema se não tiver contradição. Além disso,
é importante sempre lidar com essas situações com coragem.
Gestão Educacional:
Qual é a importância da formação continuada dos professores?
Perrenoud:
Porque tudo muda o tempo todo, os alunos mudam, as escolas mudam... Você não
consegue viver e trabalhar 30 anos [numa escola] com as mesmas competências
aprendidas na formação inicial. A formação continuada ainda é muito importante
para servir como um modo de gestão da qualidade das escolas.
Fonte: Revista Profissão Mestre
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