quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Fim do elitismo

Se é possível despertar em jovens de comunidades pacificadas do Rio de Janeiro sem conhecimento musical o interesse por Bach, Beethoven, Chopin e ensiná-los a tocar as composições dos grandes mestres, isso é a prova de que a música clássica, assim como a popular, está chegando aonde o povo está. Só que, em muitos casos, os alunos no lugar de aprenderem com instrumentos de cordas feitos por lutier, por exemplo, essas crianças e jovens lançam mão de diferentes materiais para construir seus próprios instrumentos musicais. Lixo reciclável despejado desordenadamente pelas ruas da cidade tem ganhado vida nova ao ser transformando em instrumentos de percussão e de corda e até mesmo em teclados.
É o que acontece no projeto “Reciclagem, Misancén e Música”, uma criação do músico, ator, escritor, cineasta, psicanalista e pesquisador Marcelo Gularte.
A ideia surgiu quando ele precisou superar a perda do irmão assassinado, há alguns anos, numa tentativa de assalto, em Jacarepaguá. Indignado com a violência urbana, ele não quis esperar das autoridades a solução para o fim da sua perda familiar. Gularte foi à luta e arquitetou um plano pacífico para se vingar. — Eles aqui são livres para entrar e sair. Há uma metodologia que é flexível e humanizada, focando caso a caso. Todos têm suas particularidades que são respeitadas. Aqueles que querem firmar um compromisso encontram apoio total para desenvolver suas aptidões criativas.
É importante que eles mesmos descubram isto e se sintam estimulados a vivenciar a arte — conta Gularte. — Focamos no simples que vira útil, quem aprende a reciclar o que estava no lixo, abandonado, sem função e sem futuro, um dia percebe que com vontade, alguma habilidade e informação a gente consegue mudar os objetos, as ideias, os comportamentos e as pessoas.
Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, Gularte está implementando outros quatro núcleos do projeto em vilas olímpicas, beneficiando cem moradores de comunidades como as do Complexo do Alemão, de Acari e do Mato Alto.
A iniciativa foi apadrinhada pelo multiinstrumentista Hermeto Pascoal e pelo compositor e Educador Luiz Carlos Csekö. Mas foi com o advento de um prêmio recebido através do Ministério da Cultura em 2010, que o projeto firmou uma base sistemática em seu local de origem, a comunidade do Mangueiral, em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro. — Estamos conseguindo abranger um número interessante, mas ainda não é suficiente. Conto com o apoio na produção de amigos queridos, como a artista plástica, Educadora e atriz Lenita Arêas, os Educadores, o lutier Mauro Matias e o músico Allan Santos. Nossa oficina esta atendendo atualmente duas turmas, cada uma delas com 20 Alunos. São crianças, jovens e adolescentes.
As oficinas ocorrem às segundas, quartas e sextas, na sede da associação de moradores. Todos são bem-vindos — diz. Com a pacificação, projetos desse tipo puderam adentrar territórios antes inacessíveis por conta da violência urbana. — Hoje temos vários núcleos, cada um com sua orquestra — comemora a violoncelista Fiorella Solares, viúva do maestro David Machado, idealizador do projeto “Orquestra Infanto-Juvenil das Comunidades Pacificadas”. — Há também um conjunto de violoncelistas que possui dez integrantes. Temos, além disso, um sexteto de cordas que surgiu do núcleo da Tijuca, que fica no Morro dos Macacos.
 Fonte: O Globo (RJ)

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