sábado, 16 de fevereiro de 2013

À espera de um currículo de padrão internacional

A população brasi­leira, em geral- e, em particular, a que depende da Escola pública -, está à espera de políticas que efetivamente fa­çam a Educação avançar no País. Nada mais eloquente do que o depoimento da mãe de um Aluno matriculado no pri­meiro ano de uma Escola do in­terior fluminense, porque ele re­presenta a aflição de muitas ou­tras mães que dependem das es­colas públicas: "A Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiras de Macacu (RJ) está in­terpretando que a Alfabetização começa ou pode ser estendida aos oito anos. Isso é um retro­cesso, pois, nos anos 80/90, os Alunos ao final do primeiro ano já sabiam ler e, no terceiro ano, já tinham acesso a um currículo muito diversificado. É necessá­rio que a sociedade exija que a Alfabetização ocorra aos 6 anos de idade, como é na rede parti­cular. Se não for assim, como fica o princípio republicano da isonomia? O Estado acaba aju­dando a diferenciar seus peque­nos cidadãos?".
É natural que uma nação que viu o Brasil melhorar em tantas áreas espere que seu governo fa­ça o mesmo pela Educação. Tanto quanto é natural que a população tenha, a expectativa de que as autoridades educacio­nais já estejam caminhando nessa direção. Infelizmente, não é o caso do nosso país, cujas lide­ranças educacionais insistem em perseguir um caminho pró­prio e equivocado, que não leva em conta as evidências científi­cas sobre o que funciona no pro­cesso pedagógico e as princi­pais experiencias internacio­nais de políticas educacionais públicas e eficazes.
Nos últimos anos, especial­mente a partir das informações de dois grandes programas de avaliação estudantil em nível in­ternacional - o Programa Inter-nacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e o Tendências Internacionais nos Estudos de Matemática e Ciência(Timms) - os países desenvol­vidos vêm reformulando seus currículos nas áreas de matemá­tica e de ciências e as orienta­ções sobre o Ensino da língua e sobre a Alfabetização. Há um ambiente de colaboração inter­nacional entre as autoridades educacionais, do qual os nos­sos representantes têm escolhi­do não fazer parte.
A demonstração mais recen­te do isolamento educacional brasileiro está em duas iniciati­vas do governo federal a respei­to da Alfabetização Escolar das crianças: a Medida Provisória n.° 586/12 e uma proposta de normativa para garantir "direi­tos de aprendizagem". São duas peças que, uma vez aprovadas respectivamente pelo Poder Le­gislativo e pelo Conselho Nacio­nal de Educação (CNE), servi­rão de base legal para garantir aos brasileiros o "direto de aprender a ler aos oito anos". O problema, muito bem apresen­tado pela mãe de Cachoeiras de Macacu, é que continuamos sem ter a definição clara do que é "saber ler" e colocamos um padrão difuso que está servindo para facilitar a vida de quem não sabe "ensinar a ler".
A medida provisória trata es­sencialmente de recursos para compra de materiais paradidáticos, formação de alfabetizadores e premiação para quem der conta do recado. Para se ter uma ideia de como o assunto é trata­do por quem estabelece as políti­cas educacionais, foram envia­das mais de 60 emendas - e duas delas propunham estabelecer a Alfabetização como direito a ser assegurado aos 6 anos, ao final do primeiro ano do Ensino fun­damental, como se faz nas esco­las privadas e no mundo desen­volvido. Essas duas emendas fo­ram rejeitadas. Outra, que dis­pensa os tomadores de crédito estudantil de ter ficha de crédi­to limpa, foi aprovada, apesar de nem estar relacionada com a ma­téria em pauta.
Para ilustrar a dimensão do fosso que nos separa do resto domundo, fazemos uma comparação de fácil digestão para os brasileiros - com Portugal.
Recentemente, o currículo de Língua Portuguesa e o de Mate­mática para o Ensino fundamen­tal foram reformulados com o objetivo explícito de melhorar a qualidade e se aproximarem dos demais países da Europa. Es­ses currículos, disponíveis na in­ternet, são detalhados e simples o suficiente para que as famílias possam acompanhar a sua im­plementação nas Escolas de seus filhos. Lá até as Escolas particulares tiveram de fazer ade­quações para atenderem aos no­vos padrões, que além de deta­lhados, são desafiadores para os Alunos e seus Professores.
Alguns exemplos do que o do­cumento da terra de Camões apresenta: no primeiro ano o Aluno deve ler, num texto sim­ples, 55 palavras por minuto; no segundo ano, 90 palavras por minuto e no terceiro ano, 110 palavras por minuto. Também no terceiro ano os portugueses devem "escrever pequenas narrativas, incluindo os seus elementos constituintes: quem, quando, on­de, o quê, como. E vão "introdu­zir diálogos em textos narrativos". Fica fácil imaginar que,daqui a dez anos, seremos nós os protagonistas das piadas de português...
Sempre há esperança. No ca­so da Medida Provisória n.° 586/12, os legisladores pode­riam abrir espaço para ouvir ou­tras vozes, analisar a experiên­cia internacional e avaliar políti­cas públicas que efetivamente possam promover avanços na al­fabetização das crianças. Pode­riam, por exemplo, começar ou­vindo o que a Academia Brasileira de Ciências tem a dizer - in­clusive saberiam que, se existe um ciclo de Alfabetização, ele deveria começar na Educação in­fantil e terminar no primeiro ano do Ensino fundamental. No caso do documento enviado ao CNE, sempre é tempo para reti­rar da pauta, rever e incorporar, de maneira consistente, o que o conhecimento científico acu­mulado e a experiência de ou­tros países teriam a nos ensinar.
Quem sabe o nosso ministro da Educação, Aloizio Mercadante, se disponha a ter um curto diálogo com seu colega Nuno Grato, de Portugal? Ou a presi­dente Dilma Rousseff se sensibi­lize com padrões educacionais que, apesar de nada populares em alguns setores da Educação local, são ambiciosos o suficien­te para tomar o Brasil um país realmente cosmopolita?
Fonte: O Estado de S.Paulo (SP)

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