A mesma pesquisa Ibope Media Leitores no Brasil destacou
também as capitais mineira e gaúcha como as mais bem sucedidas em relação à
leitura. Tanto em Belo Horizonte como em Porto Alegre, 41% dos entrevistados
contaram um livro devorado no último mês. De acordo com a sondagem, há mais
gente lendo nestas cidades que, de modo geral, no País, já que a média nacional
de leitores ficou em 33%.
O POVO pediu à diretora do Instituto de Letras da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e escritora gaúcha, Jane Tutikian,
para fazer uma reflexão sobre os motivos do destaque porto-alegrense.
O POVO - Que ações foram tomadas, tanto pelo poder público
quanto pela própria sociedade, para gerar este cenário positivo em Porto Alegre
em relação à leitura e ao livro? Jane Tutikian - A grande explicação está na
vontade política e nas ações efetivas decorrentes desta vontade. Existe um
esforço do Estado para isso. Por exemplo, desde o final da década de 70 existe
um projeto, o Autor Presente, coordenado pelo instituto estadual do livro, que
atende as Escolas da rede pública estadual, colocando livros dentro da Escola e
levando para lá o escritor para conversar com seus leitores. No âmbito
municipal, existe programa semelhante, Adote um escritor, que trabalha toda a
comunidade Escolar, da merendeira ao Aluno e que culmina, igualmente, com a
presença do escritor. A câmara rio-grandense do livro realiza um trabalho
excepcional de incentivo à leitura, com a feira do livro de Porto Alegre (no
ano passado, 1 milhão e 700 mil pessoas passaram por lá) e a orientação das
feiras dos municípios do interior do Estado. E eu arriscaria dizer que há
feiras do livro o ano inteiro, nas diferentes cidades do Rio Grande do Sul.
Tudo isso é suficiente? Eu diria que não. Há muito o que ser feito, no Rio
Grande do Sul, no Ceará, no Brasil.
OP - Que elementos a senhora acredita serem necessários
para que qualquer cidade se torne uma cidade de leitores? Jane - A única
possibilidade de se ter uma cidade leitora é criando políticas e ações de
leitura e investindo fortemente na formação do leitor. Nosso início, pode ser
uma pergunta simples: quem forma o leitor? A família diz que a responsabilidade
é toda da Escola; a Escola, por sua vez, diz que a criança deve trazer o
hábito/gosto pela leitura de casa. Como é que forma a família, se a família,
cada vez mais empobrecida, não lê? Como é que forma a Escola, se o Ensino
tecnicista das últimas décadas optou pela compartimentação das disciplinas
tirando, com isso, dos Alunos, a visão do todo, a capacidade crítica? Qual a
fórmula para se transmitir/despertar paixão por aquilo que não se conhece?
E a cidade de Fortaleza com isso tudo? Nossa realidade não
é muito distinta em relação à média do Brasil, mas chega a ser mais crítica. A
fotografia de nossa cidade em relação ao IDH, Ideb ou a proporção de
Analfabetismo não é das mais bonitas. No ranking do IDH, em dados de 2008,
somos a 18ª capital com índices de 0,786, distinta de Florianópolis, na
terceira posição com 0,875. No caso do Ideb somos a 17ª capital no ranking com
4,2 do 1º ao 5º ano e de 3,5 do 6º ao 9º ano. Os dados são de 2011. Embora
tenhamos avançados bem nos últimos cinco anos, ainda estamos abaixo da média
nacional que é de 5,0 para os anos iniciais e mais distante ainda de Florianópolis
que assume a primeira posição nos anos iniciais com 6,0.
Em se tratando dos quadros de Analfabetismo, Fortaleza é a
sétima capital com maior proporção de Analfabetos de 15 anos em diante, com uma
taxa de 6,9%, enquanto que a capital catarinense está no topo com apenas 1,9%
de Analfabetos nessa mesma faixa etária. E, agora, para borrar mais ainda a
nossa fotografia, ocupamos a última posição na pesquisa de hábito de leitura
realizada pelo Ibope Media em um ranking de nove capitais. Segundo esta
pesquisa, nossa média de leitura de livros é 27% de leitores. Ou seja, sete em
cada dez fortalezenses não leram um livro sequer nos últimos 30 dias. Pena que
Florianópolis não esteja contemplada nesta pesquisa de hábito de leitura. Minha
aposta é que ela superaria Porto Alegre (primeira com 41%), considerando seus
índices de IDH, Ideb e a proporção de Analfabetos.
Desculpe-me se amolei você, caro leitor, com todos estes
números enfadonhos. Mas nossa conversa passa por estas estatísticas. No
entanto, reafirmo que os números sozinhos de leitores ou de livros lidos nos
dizem pouco. Daí a importância de relacionarmos os indicadores de leitura e de
comportamento leitor com outros indicadores sociais, educativos, culturais e
econômicos e, assim, estabelecermos uma abordagem mais ampla. Caso tivéssemos
mais caracteres disponíveis para este artigo, certamente poderíamos fazer
algumas analogias relacionadas ao consumo cultural e ao perfil de acesso da
população brasileira aos bens e serviços culturais e de como isso pode ter
impactos nos indicadores de leitura. Em que medida, por exemplo, uma cidade que
tem uma rede efetiva de bibliotecas públicas, teatro, museus, cinemas afetam
positivamente na formação de leitores.
Por fim, deixo uma boa provocação para os secretários de
cultura e de Educação e, quiçá, para o prefeito da cidade. Por que não
pensarmos em uma grande e bonita meta de fazermos de Fortaleza, uma cidade de
leitores? Por que não construímos com uma ampla participação da sociedade o
Plano Municipal de Livro e Leitura, estabelecendo metas que possam alterar esta
fotografia que vimos aqui, articulando os programas de acesso ao livro, de
promoção da leitura, de formação leitora, de incentivo à criação literária e
acadêmica, de fomento para as pequenas editoras e livrarias da cidade? Claro
que tudo isso deve partir do reconhecimento, incentivo e da articulação com os
projetos de promoção da leitura desenvolvidos por organizações civis da cidade.
Que tal pensarmos também em um grande programa de formação
de pais (famílias) e de Professores leitores? O fato é que estou cada vez mais
convencido de que a melhoria da qualidade de Educação passa pela formação de
leitores cidadãos. Mas não uma formação instrumental e funcional. Falo da
dimensão cultural e subjetiva da leitura. Aquela que nos faz mirar o mundo de
maneira mais autônoma, crítica e inventiva. Aquela que nos faz capazes de
reinventarmos uma cidade. E aí, que tal reinventarmos uma Fortaleza através da
leitura plural?
Fonte: O Povo (CE)
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