terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A lição do menino

Quando meus quatro filhos eram crianças, costumávamos ao final da tarde brincar de bola na rua em frente à casa onde morávamos. Eram momentos divertidos, após longo dia de trabalho burocrático (eu ainda não era professor). Só parávamos quando anoitecia, pois já era hora de tomar banho, jantar e depois juntos assistirmos à TV.
Um dia, no calor da brincadeira, a bola cai no terreno baldio que havia ao lado de nossa casa. Como já estava noite, deixei para pegá-la no dia seguinte.
Ao acordar lá fui eu pegar a redonda. O terreno era murado e tinha um pequeno portão de gradil com um cadeado cuja chave eu possuía uma cópia. A outra ficava com o vizinho que diariamente lá colocava seus dois cavalos pra pernoitar e pastar, o que era bom, pois mantinha o mato bem rasteiro.
Após abrir o portão, entro e começo a procurar a pelota. Olho aqui, ali e depois de uma longa procura finalmente a encontro. Quando vou me encaminhando para sair, observo que um dos cavalos havia escapulido e agora pastava mansamente um reles capim ao lado do meio-fio da rua.
­— Essa vai ser mole, pensei! Corro e começo a tocar o cavalo, fazendo-o entrar de volta ao terreno. Percebo que quanto mais gesticulava os braços e embicava os lábios em sinais sonoros que observara os carroceiros fazerem para tocar suas mulas, mais o teimoso equino se afastava.
Começava a me desesperar, pois o animal já se encontrava longe do alvo, foi quando me lembrei de seu Moacir, um velho carroceiro que morava no final da rua. Arfando e mostrando súplica no olhar, bato palmas e chamo pelo meu possível salvador: — Seu Moaciiiiiir! Seu Moaciiiir...
A esposa vem me atender e diz que ele não se encontrava em casa. Eu conto-lhe o meu “drama” e ela prontamente se dirige ao filho e diz: — Vai ajudar o moço!
Olho descrente para aquele menino franzino, não mais que 7 anos de idade, sujinho, vestido só com uma cueca furada, chupeta na boca... Não dava pra acreditar que aquele “projeto de gente grande” iria ter sucesso onde eu havia fracassado.
Mas lá fui eu, correndo para alcançar aquelas pernas que mais pareciam dois negros palitinhos. Parei no portão do terreno e fiquei extasiado, observando a destreza do pequeno que num piscar de olhos conduziu o cavalo para onde eu havia tentado sem sucesso. Não tive nem tempo de agradecê-lo, pois do jeito que chegou, desaparecera como um raio.
Até hoje aquela cena não me sai da cabeça.
Porém, ficou uma grandiosa e belíssima lição para o hoje mestre e professor: por mais que sejamos detentores de títulos, informações e conhecimentos, sempre haverá pessoas que consideramos “menores” com grandes coisas pra nos ensinar.
Como na vida, assim é na escola: o professor se faz educador no processo, e quase nunca estamos preparados para o inusitado. Se a palavra professor fosse um verbo, só deveria ser conjugado no gerúndio — professando. E assim como o sentido do texto se completa com o leitor, a incompletude do educador só é preenchida pelos valores que ele consegue enxergar em seu educando.
Prof. Erivelton R. Almeida

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