domingo, 13 de fevereiro de 2011

A vida da palavra

Amorfa, estática, sem sentido porque promessa, como um enigma a ser decifrado entre signos que se comparam às peças de um jogo, jaz a palavra em busca de sua origem primeira. Sem intencionalidade para mover emoções, sentimentos, relações múltiplas de inferências, analogias, contextos, a palavra jamais se fará vida, porque nasce das tramas do humano, criador de linguagem e de cultura. A vida da palavra depende do ser humano que a cria e busca espaços para que no movimento intencional dos sentidos, ela, a palavra, ganhe forma e se defina como representação do social que a impulsiona. Nem sempre é portadora de mensagens e sentimentos positivos, por suas intenções carregadas de desamor, rancores e desejos não realizados.
Decifrar o enigma que Drummond tão bem representa em “Procura de Poesia”, quando questiona – “trouxeste a chave?” – não é tarefa fácil para uma sociedade na qual a fragmentação é uma das características da palavra mediática. Também não é fácil dar vida às palavras que estão presas no imaginário dos atores sociais que têm sua cidadania negada – analfabetos, que mesmo fazendo uso social da língua, não lêem e não escrevem, sem falar dos jovens que com suas gírias mutantes, mal sabem o que dizem.
Foi-se o tempo em que receber belas cartas de amor alimentava o imaginário das moças casadouras e remetiam-nas aos romances recheados de palavras-sentimentos. A palavra fazia parte do universo dos jovens e representava vidas em formação. Nestes tempos de hoje, nos quais pouco se lê, as palavras muitas vezes não encontram caminhos seguros para ocuparem os espaços silenciosos dos discursos.
A palavra viva que deveria fazer-se discurso cotidiano seria aquela capaz de abrigar os sentidos que tornam o “humano” um valor universal, pois em tempos de desamor, mortes anunciadas, economia de discursos mensageiros de paz, mais do que nunca, a palavra-poesia, a palavra-canção, a palavra reumanizadora necessitam nascer, crescer e cumprir seu ciclo de vida, transformando os homens em porta-vozes de palavras vivas, como sonhos, utopias, solidariedade, partilha.
Palavras vivas, construídas nos desejos e intenções transformadoras, presentes nos discursos dos profetas que lutaram e lutam por um mundo melhor e nos escritos dos intelectuais, poetas e escritores que deram vida às palavras para que leitores e falantes as transformassem concretamente em vida vivida, espaço de vida das palavras recriadas, no jogo eterno da busca dos significados.
Palavras que ditas ao vento se perdem na memória e se transformam pela infidelidade da oralidade. Palavras que registradas permanecem vivas na relação autor-leitor que lhes confere sentido. Palavras, palavras, representantes únicas da humanidade e da cultura dos seres humanos em cada tempo de sua existência histórica. Palavras não-ditas, palavras malditas, palavras proféticas, assim elas vão se metamorfoseando e fazendo a vida mais viva ou amortecida.
Sem elas, a meta linguagem desta escritura perderia sua razão de ser, afinal são as palavras que estão aí ressignificando os projetos de vida e recriando as representações sociais que aproximam os homens e fazem deles criadores de discursos.
Profa. Ana Lúcia Tavares

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