domingo, 13 de fevereiro de 2011

A vida sob meus olhos


Quando era criança, costumava ficar horas no meu quarto, lendo, lendo e lendo. Lembro-me ainda do prazer que tinha ao viajar pelas maravilhosas terras das fantasias que os textos me traziam.  Lembro do cheiro prazeroso das páginas dos livros.
Ao ingressar no mundo dos adultos, as fantasias ainda permaneciam. Os sonhos se misturavam à realidade e, muitas vezes, ouvi minha mãe dizer que as leituras haviam confundido minha vida e meu jeito de ver o mundo. Na sua rudeza aparente, ela me dizia que o mundo e as pessoas não eram assim tão belos como eu insistia em pintar. Questionei suas palavras durante bons longos anos, mesmo quando ela afirmava, sabiamente, que o fracasso de minha escolha matrimonial era fruto das minhas fantasias.
Achava ainda que ela não tinha razão. A felicidade, por certo, pensava eu, devia estar aguardando, escondida em algum lugar, para um dia, então, se desvendar para mim.
Ao afirmar muitas vezes que amizade não existia, teimei muito e retrucava que suas experiências não podiam ser exemplo para outros.
Hoje, tendo vivido meio século, ainda converso com minha mãe sobre isso, octogenária e negando ouvir o mundo a sua volta. Dias desses, disse-lhe que amizade, assim como o amor, tem prazo de validade e que, de certa forma, ela tinha razão nas suas palavras tão hostis.
Para minha surpresa, minha mãe concordou comigo. Disse que também tinha tido muitas amigas e que hoje se sente muito só.
A vivência revelou para mim verdades duras que tive que enfrentar como uma ferida aberta que relutava em não ser curada. Percebo, um pouco tarde, talvez, que o mundo não é, realmente, nenhum conto de fadas e que as personagens de minhas histórias de infância não podiam se cristalizar na vida cotidiana porque tinham sido fruto da negação da realidade, por isso, fantasia.
Penso que as pessoas, ao contrário do que se espera, distanciam-se mais e mais de Deus e se aproximam, contundentemente, da matéria.
Desconheço pessoas com quem dividi “amizade” durante um longo tempo. Ignoro os homens que se revelaram príncipes um dia. Ironizo mensagens de amor e de esperança. Sorrio da ingenuidade dos jovens, embora não os faça desacreditar das fantasias. Elas ajudam a sobreviver no caos que este mundo se tornou.  
Hoje me sinto mais dura, sim, mas mais consciente de meu papel aqui e do que as pessoas esperam de mim. Falo pouco, ouço o que quero e quando quero. Acredito em nada ou ninguém. Não emito muitas opiniões. Vejo o mundo com o olhar impassível com que o mundo vê e julga.
Descobri no “não-ser” a suprema sobrevivência do ser.
Profa. Maria Lúcia M. Gomes

2 comentários:

  1. Maria Lúcia, coincidentemente hoje Jaque e eu conversávamos sobre a amizade, assunto de capa da Revista Super Interessante desta semana. Pedi a ela que contasse nos dedos os verdadeiros amigos e com muita dificuldade ela chegou a 4.
    A nossa caminhada é feita de relações que equivocadamente confundimos com amizade. Mas são as relações e não os (raríssimos) amigos que moldam a nossa personalidade. A dureza de nossos corações muitas vezes são reflexos de nossas relações decepcionantes, mas precisamos ter o cuidado de não generalizar os nossos pontos de vista. Não acreditar "em nada ou ninguém" tem o mesmo valor que acreditar em tudo ou todos. Fuja dos extremos! Agora, um pouco de sonho (diferente de ilusão) é um bom tempero para que possamos atingir os nossos objetivos.
    Bjins!
    Erivelton

    ResponderExcluir
  2. Maria Lúcia,

    Ter lido seu texto foi muito prazeroso e me trouxe momentos de reflexão. Sendo assim, continuo acreditando piamente que sonhar 'vale sempre a pena quando a alma não é pequena'. A propósito, lembrei-me do livro do Padre Fábio de Mello, "Quem me roubou de mim? - O sequestro da subjetividade e o desafio de ser pessoa". Leitura altamente recomendada!! Muito enriquecedor . . . texto inteligente, abordagem leve, empolgante e que nos permite refletir sobre o ser humano e a vida.

    "... Dos relacionamentos que você já teve, quais foram as ocasiões em que verdadeiramente você foi modificado para melhor?

    Será que você é lembrança doída na vida de alguém? Será que já construiu cativeiros? Ou será que já viveu em algum?

    Será que já idealizou demais as situações, as pessoas e por isso perdeu a oportunidade de encontrar as situações e as pessoas certas?

    Sejam quais forem as respostas, não tenha medo delas. Perguntar-se é uma maneira interessante de se descobrir como pessoa, pois as perguntas são pontes que nos favorecem travessias".

    __ Padre Fábio de Melo

    Forte abraço =]
    Fabiano

    ResponderExcluir