Quando criança, não conseguia entender a razão de se usar uma letra maiúscula no início de algumas palavras, como nomes de pessoas, cidades e países. Mais tarde entendi que, quando a palavra tinha um significado importante, isso era plenamente justificável. Hoje, refletindo sobre o assunto, gostaria de propor que as palavras continuidade e oportunidades também gozassem desse privilégio.
A continuidade pode ser considerada um conceito sem muito sentido em uma escala de tempo grande — digamos, de milhões de anos. A natureza em constante transformação alimenta o processo contínuo de renovação com resultados aleatórios e imprevisíveis. No entanto, na escala de anos ou décadas, o conceito não é só válido como fundamental, particularmente na implementação de políticas públicas.
A descontinuidade nessas políticas é tema persistente na vida política brasileira e tem sepultado iniciativas louváveis. Ela emerge com maior intensidade na troca de governos, principalmente quando o segmento político é substituído.
Nessas circunstâncias, geralmente o preenchimento de cargos de confiança disponíveis é direcionado para atender aos compromissos políticos partidários. Esse tipo de procedimento pode ser encarado como doença mortal e precisa de tratamento de choque para ser eliminado.
Paralelamente, para que as políticas não sejam interrompidas a cada mandato, é necessário o compromisso pela continuidade dos projetos de longo prazo e a vigilância constante por parte da sociedade.
Um bom exemplo na área da Educação é o movimento Pacto pela Educação, conduzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que reúne, além da academia, outros setores da sociedade brasileira, como os estudantes, os empresários, os profissionais da Educação e organizações não governamentais, a exemplo do Todos pela Educação e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Esse conjunto de entidades, por meio de indicadores, fará o acompanhamento e avaliará as ações que levem à conquista da qualidade da Educação para todos nas próximas décadas.
A palavra oportunidade, pela sua importância, também merece ser escrita com letra maiúscula. Seu sentido surgiu com as navegações do século 16, quando uma embarcação esperava um vento forte para sair do porto rumo ao mar aberto. Esse vento recebia o nome de “oportunidade”.
Uma democracia verdadeira é aquela que proporciona a todos o vento para que cada ser humano tome um rumo que permita a ele a conquista de seu verdadeiro bem maior, a sua felicidade. Essa oportunidade começa na vida fetal com os cuidados na dimensão da saúde física e mental da gestante.
A neurociência moderna aponta como um dos principais pilares para toda a vida os três primeiros anos da criança. Segundo James Heckman, Prêmio Nobel de Economia, a desigualdade social é definida nesse período.
Dessa forma, os cuidados no desenvolvimento infantil na primeira infância é um pré-requisito para a democracia das oportunidades. Um ensino de qualidade na Educação infantil e básica (ensino fundamental e médio/profissional) para todos os brasileiros é dever do Estado brasileiro e um compromisso com o futuro.
Essa Educação não deve ser dirigida somente para o mercado de trabalho. Ela deverá preparar cada cidadão para que possa apreciar e entender o privilégio da vida, poder apreciar a cultura e a arte, tendo uma convivência harmoniosa com seus semelhantes e com a natureza.
Durante o processo educativo, o estudante deve ter o domínio perfeito da linguagem das letras e dos números. Deve conhecer a história da humanidade e ter incorporado os princípios das boas práticas éticas, de probidade e de solidariedade.
As regras ortográficas vigentes certamente não permitirão introduzir a proposta contida no início do artigo. Porém, felizmente não existem regras gramaticais para a linguagem dos nossos pensamentos.
Dessa forma, certamente será importante, para avançarmos na conquista de um modelo civilizatório virtuoso para o futuro, pensar grande estas duas palavras: continuidade e oportunidades. Falando de futuro, é oportuno relembrar a genial frase de Woody Allen: “Me interessa o futuro, porque é o lugar onde vou passar o resto da minha vida”.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
Nenhum comentário:
Postar um comentário