Um professor de Cubatão, São Paulo, contraria a velha máxima de que samba não se aprende na escola. Com estudantes da rede pública do município da Baixada Santista, ele desenvolve o projeto interdisciplinar Escola com Samba, atividade bem recebida pelos alunos envolvidos. Participam do trabalho estudantes na faixa etária de oito a dez anos, matriculados nas séries iniciais do ensino fundamental.
Na visão de Antonio Cesar Lins Rodrigues, professor de cultura popular nas unidades municipais de ensino Espírito Santo e Antonio Ortega Domingues, o samba tem uma característica, a “propriedade-elo”, por ele considerada mais do que necessária à interligação dos conhecimentos.
“O samba, com a sua riqueza semântica, sócio-histórica e esteticorreivindicatória, é um campo do saber que se entremeia na seara disciplinar”, destaca Antonio Cesar, que também coordena a área de educação para a diversidade no Centro de Apoio Pedagógico e Formação Continuada do município e trabalha no projeto Crescer, que atende estudantes de todas as escolas de Cubatão no turno oposto aos das aulas regulares.
O trabalho do professor começa com a seleção das músicas a serem apresentadas aos estudantes. Geralmente, aquelas que fazem parte da história do samba, de autoria de compositores da velha guarda. “As crianças têm contato com as obras desses compositores e trazem suas experiências com o samba como sugestões. Todas são acatadas e, a partir delas, fazemos o nosso planejamento”, explica.
Os alunos escutam as músicas na sala de aula e discutem, em conjunto, o significado das letras. “Discutimos juntos a etimologia das palavras, procurando perceber todas as mensagens sugeridas pelas músicas”, esclarece o professor. Segundo ele, a proposta é que todos aprendam a tocar algum instrumento musical. “Contudo, as crianças aprendem a assimilar a divisão rítmica do samba, de importância vital para se entender a dinâmica musical do ritmo”, destaca.
Antonio Cesar aborda, inicialmente, questões relativas à percepção e ao reconhecimento do samba enquanto manifestação cultural genuinamente brasileira. O próximo passo é a letra da música, as palavras e a interpretação das mesmas. Como exemplo, fala do trabalho que realizou com a música Doce na Feira, de Jair do Cavaquinho.
“Ao interpretarmos a letra da música, percebemos o tom sexista presente em algumas partes, o que nos levou a questionar o papel da mulher na sociedade machista”, salienta.
O contexto histórico da narrativa proposta pela música também foi analisado, assim como suas implicações regionais. “No caso, foram analisados os porquês das propostas textuais daquela obra musical, a partir da realidade sócio-histórica do compositor, regionalidade etc.”, afirma.
Animação
Os estudantes resolveram criar um clipe musical a partir das experiências vivenciadas em visitas coletivas a uma feira, durante o desenrolar do projeto. Isso resultou em uma animação, com recursos como photoshop e flash, a partir de desenhos elaborados pelos estudantes para retratar o ambiente da feira, em analogia com o ambiente proposto pela música. “É a aplicação das tecnologias da informação e da comunicação (TICs)”, ressalta o professor.
Com licenciatura plena em pedagogia e em educação física, 27 anos de magistério, Antonio Cesar começou a desenvolver projeto de introdução da cultura popular no currículo escolar no fim de 2008.
O objetivo era conquistar espaço permanente para as culturas populares — no caso específico do Escola com Samba, para a cultura negra. O propósito do professor é permitir que as culturas populares apareçam na escola não apenas em datas comemorativas e folclóricas e que passem a ser consideradas conhecimento popular legitimado.
Com mestrado em educação, especialização em mídias na educação e em escolarização e diversidade, Antonio Cesar conclui curso de doutorado em educação na Universidade de São Paulo (USP). Sua tese trata do tema Corpos e Culturas Invisibilizados na Escola.
Fátima Schenini, in: Portal do MEC
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