Parafraseando Jorge Amado, diríamos que a gramática já morreu ou está moribunda nas escolas brasileiras. Falta agora enterrá-la. Vejamos o porquê desse pensamento gramaticida.
O Brasil ocupa o 84º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, bem abaixo de vizinhos como o Chile (44º) e a Argentina (45º). Dos indicadores usados no cálculo do IDH renda per capita, saúde e Educação este último pode ser considerado a vergonha nacional.
A escolaridade média do brasileiro é de 7,2 anos, a mesma do Zimbábue, que aparece no 173º lugar no ranking da ONU. Não nos detenhamos, porém, nos números frios das estatísticas.
Todos sabemos das péssimas condições do ensino público em nosso país: a degradação física das escolas, a falta ou a qualidade ruim do material escolar, a ausência de transporte adequado para os alunos, a invasão das escolas por parte de ladrões e baderneiros, a violência generalizada, inclusive contra os professores, a apatia ou mesmo a descrença dos professores e pedagogos com relação a um ensino verdadeiramente eficaz, a baixa remuneração dos docentes etc.
Como se isso não bastasse, há outro fator intrínseco às disciplinas escolares que tem contribuído decisivamente para a má qualidade do ensino brasileiro. Referimo-nos aos conteúdos que são ministrados nas escolas. No caso específico do português, causa espanto como esse monstro jurássico chamado gramática ainda frequenta os bancos escolares.
Uma pesquisa recente revelou que os estudantes, principalmente do ensino médio, abandonam os estudos por dois motivos principais: necessidade de ajudar os pais e falta de interesse pelo que é ensinado na escola. “É uma chatice sem fim”, chegou a declarar um aluno.
O fato de uma oração ser substantiva completiva nominal ou substantiva objetiva indireta, ou de um substantivo ser concreto ou abstrato, ou ainda de um pronome ser indefinido ou interrogativo, não vai influenciar em nada no desempenho linguístico do aluno e não tem nada a ver com o mundo em que vivemos.
O objetivo do ensino de português é levar o aluno a ler e a escrever adequada e corretamente. A apropriação desses conteúdos na escola ou, pior ainda, a “decoreba” dos dogmas gramaticais só contribui para aquilo que está se tornando comum entre os estudantes do ensino básico: a aversão ao estudo da língua portuguesa, justamente essa disciplina que tem tudo para ser considerada a mais amada da escola.
Nos últimos anos tenho defendido, por meio de cursos, palestras, artigos e livros, o bordão “gramática: nunca mais”. Para não haver mal-entendidos, vamos esclarecer algumas questões:
1 A nossa luta, ou melhor, a nossa cruzada é contra o ensino da gramática no ensino básico (fundamental e médio). É claro que a gramática sempre existiu e sempre existirá, mas só deve ser estudada nos cursos superiores de letras, por especialistas em estudos da linguagem, futuros professores de português.
2 Com “gramática: nunca mais” não estamos querendo dizer que se possa escrever ou falar de qualquer jeito, como já insinuaram alguns críticos mal informados. Defendemos a postura de que é necessário aprender a língua padrão e de que é perfeitamente possível dominá-la sem necessidade de aprender gramática. Há vários argumentos para sustentar essa hipótese:
a) alunos e pessoas em geral não sabem nada de gramática, mas muitos sabem escrever razoavelmente bem e, às vezes, muito bem;
b) profissionais da escrita, como escritores e jornalistas, por exemplo, afirmam claramente que não entendem nada de gramática (embora escrevam muito bem);
c) o Enem e a UFMG (além de outras universidades) não exigem conhecimento de teoria gramatical em suas avaliações.
Contra o imobilismo
Os defensores do ensino de português sem gramática apresentam vários argumentos e algumas pesquisas para comprovar esse ponto de vista, mas não podemos aqui enumerá-los todos. São linguistas como Marcos Bagno, Sírio Possenti, Luiz Persival Leme Britto, Carlos Franchi, Mike Dillinger, dentre outros.
Eles se baseiam principalmente no fato de que, para o cidadão comum, a gramática não tem qualquer proveito. Há porém muitas forças que defendem o lado contrário: a atitude eremítica de alguns linguistas teóricos; o imobilismo gangrenoso dos currículos escolares, que vem repetindo a si mesmo há décadas ou mesmo há séculos; o dolce far niente das editoras e dos gramáticos, que não querem abrir mão da galinha dos ovos de ouro; a atitude patrulhesca do MEC, que, por meio da NGB, dos Parâmetros curriculares e do PNLD, inviabiliza qualquer tentativa de aerificação da disciplina, e, por fim, a postura simplória de alguns professores, que indagam inocentemente: “O que vou ensinar na aula de português, se eu não puder dar gramática?”
Modernos estudos linguísticos têm insistido bastante no papel fundamental do texto no ensino da língua portuguesa. Texto, texto, texto... é o que interessa. Textos em profusão. Leitura, compreensão, interpretação, interação com o social, paráfrases, paródias, resumos, sinopses etc. Mas será isso suficiente? Como questionam alguns autores, basta expor os alunos aos textos? Para levar o aluno ao domínio da língua padrão, basta ler e escrever textos?
A minha experiência como professor de português no ensino básico e superior permite afirmar que não. Não basta expor os alunos aos textos. Eles precisam dominar a ortografia, a pontuação, a concordância verbal, a regência, a colocação de pronomes, a conjugação verbal etc. Mas como? Não haveria contradição entre o que acabo de expor e o que foi dito nos parágrafos anteriores? Não.
Em vez de estudar esses itens gramaticais, eles precisam usá-los, praticá-los, de maneira intensiva e mesmo repetitiva. Tudo isso deve e pode ser feito, é lógico, sem a parafernália da definição, da classificação e do emprego da nomenclatura especializada. É esta, em síntese, a proposta do livro que acabo de lançar: o domínio da língua padrão, por meio de exercícios específicos, sem necessidade de estudo gramatical.
Lições de bicicleta
Uma comparação pode ilustrar bem o que quero dizer. Um pai pode gastar horas e horas ensinando ao filho os fundamentos teóricos de como andar de bicicleta: os nomes das peças, os tipos de guidom, a classificação dos esquadros, as especificações dos aros, etc. Nada disso o fará andar de bicicleta. É o uso, a prática, o emprego, que operará a transformação.
Alguns professores de português explicam assim o emprego do verbo assistir (atente-se para a parafernália terminológica): trata-se de um caso de regência verbal; no sentido de estar presente (o público assistiu ao show), o verbo é transitivo indireto, ou seja, exige um complemento verbal com preposição (sabe-se lá quais são as preposições em português?); o complemento do verbo deverá vir regido pela preposição a e receberá a classificação de objeto indireto.
Não seria mais fácil, simples e lógico levar o aluno a construir frases com o verbo assistir acompanhado da partícula a?
Gostaríamos muito de saber a sua opinião sobre o assunto. Entre em contato conosco por meio do blog www.luizrochinha.blogspot.com.
Luiz Carlos de Assis Rocha
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