Recentemente, a comissão especial do Plano Nacional de Educação (PNE) da Câmara dos Deputados aprovou a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em gastos com Educação em até dez anos. Na opinião de alguns, se o Brasil quiser recuperar o seu atraso educacional e crescer de forma sustentável, será preciso fazer escolhas e, assim, aumentar o investimento em Educação seria prioritário.
Não há dúvidas que melhorar a qualidade das despesas e, se necessário, aumentar os gastos com Educação é prioritário. Como também é prioritário aumentar a qualidade do gasto e as despesas com saúde e segurança pública. Mas, em um país ainda tão desigual como o Brasil, alguns lembrarão que a despesa com assistência social é também prioritária. Há ainda outros que lembrarão que, em cenário de maior incerteza, o governo precisaria priorizar o aumento do investimento público e aumentar repasses de recursos para o BNDES. Em resumo, há vários grupos pressionando por gastos "prioritários".
No entanto, falta nesse debate o reconhecimento que o crescimento da despesa pública é explicado por políticas bem intencionadas e que o processo de discussão do orçamento, no Brasil, perdeu importância para que a sociedade possa definir o que é prioritário.
Só com um debate mais transparente do processo orçamentário será possível controlar despesa e arrecadação
Quando se olha os dados do balanço do setor público para os municípios, Estados e governo federal, de 2002 a 2011, pode-se observar que, nos municípios, os gastos não financeiros que mais cresceram nesse período em porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) são, respectivamente: saúde, Educação e urbanismo. Esses três gastos cresceram 1,2 ponto do PIB, ou 76% do crescimento da despesa primária dos municípios.
No caso dos Estados, o crescimento maior do gasto público foi para saúde, Educação, previdência social e segurança pública. Esses quatro tipos de gastos cresceram 1,75 ponto do PIB; enquanto a despesa total primária ficou estável. Ou seja, esses gastos eliminaram gastos com outras funções como saneamento e transporte, que poderiam facilmente ser classificados como "prioritários".
E no caso do governo federal, os gastos que mais cresceram foram com assistência social (LOAS e Bolsa Família), Educação, previdência social e trabalho (seguro desemprego e abono salarial). Essas quatro funções responderam por um crescimento de 1,7 ponto do PIB, ou 95% do crescimento do gasto público federal não financeiro de 1,8 ponto do PIB de 2002 a 2011.
O gasto com Educação é um bom exemplo de uma despesa que já é prioritária. No âmbito dos Estados e municípios, 25% de impostos e transferências têm que ser gastos com Educação e, no caso do governo federal, essa vinculação é de 18% da receita de impostos líquidas de transferências. O gasto com Educação é um dos que mais cresce em todos os níveis de governo e, no caso do governo federal, o gasto real com essa função passou de R$ 27,9 bilhões, em 2007, para R$ 55,3 bilhões, em 2011.
Esse forte crescimento ocorreu por três motivos: 1) eliminação da incidência da Desvinculação das Receitas da União (DRU) sobre os recursos destinados à Educação; 2) limitação em 30% dos valores da complementação ao Fundeb que podem ser contabilizados como parcela do mínimo constitucional da receita de impostos da União a ser aplicado na manutenção e no desenvolvimento do Ensino a partir de 2007 (Lei 11.494); e 3) crescimento real da receita de imposto sobre a qual incide a vinculação de gastos com Educação de R$ 123 bilhões, em 2007, para R$ 214,6 bilhões, em 2011.
Mas se gastos com Educação, saúde, assistência social e previdência social já são prioritários e têm regras de indexação, por que há sempre um debate para aumentar essas despesas? Porque a forma que se dá o debate do que é prioritário sempre favorece o aumento do gasto. As prioridades da despesa pública são definidas no Palácio do Planalto e por pressão de grupos de interesse legítimos (bancada da Educação, da saúde, da previdência, etc.) nas comissões do Congresso Nacional. Assim, a única forma de conciliar demandas legítimas que são discutidas isoladamente é por meio de uma carga tributária elevada.
Se a carga tributária do Brasil (36% do PIB) incomoda e prejudica nossa competitividade é preciso olhar o lado da despesa para que se possa debater a sua redução. Um bom começo para isso é fortalecer o processo orçamentário, onde o debate deveria esclarecer para a sociedade o custo das várias políticas públicas, a qualidade do gasto e permitir um saudável discussão do que é prioritário em um ou mais anos fiscais.
O debate do orçamento precisa ir além da discussão da aprovação de emendas individuais e de bancadas e discutir temas que são importantes para os eleitores, mas que hoje são discutidos, primordialmente, por grupos de interesses em comissões no Congresso Nacional. O motivo da carga tributária elevada no Brasil não é a cultura do estado patrimonialista português que nos persegue desde o nosso descobrimento. Mas regras de tomada de decisão que favorecem sempre o aumento de gastos importantes que, consequentemente, exige uma carga tributária elevada para o seu financiamento. Apenas com um debate muito mais transparente do processo orçamentário será possível controlar a despesa e a arrecadação, pois sempre haverá motivos para justificar o aumento de gastos bons e "prioritários".
Mansueto Almeida, pesquisador do Ipea, in: Valor Econômico (SP)
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