Em meio à crise do sistema educacional brasileiro, o Rio Grande do Sul, historicamente um modelo nacional nessa área, está tendo que se haver com resultados nada animadores no Ideb. E chama a atenção o fato de que o desempenho das Escolas do Interior supera o das Escolas da Capital. Parabéns a elas, e em seguida, a pergunta: por quê? Não tenho a resposta, mas tenho um palpite. Acho que há algo de mais pessoal e uma tendência a se forjarem vínculos mais sólidos nas comunidades do Interior, o que acaba se refletindo na relação direta do corpo Docente e discente. Dentre todas as questões que têm recebido atenção dos especialistas na área da Educação, incluindo infraestrutura nas Escolas, seleção e remuneração de profissionais, currículo Escolar, uma tem sido unanimidade: a qualificação da formação dos Professores. Concordo e preciso questionar: será que, no nosso caso, o Interior concentra os Professores mais qualificados em termos de formação acadêmica, quando comparado à Capital? Se for isso, está “pelada a coruja”. Se não for, talvez tenhamos que nos concentrar mais nas sutilezas do que nos fatos concretos.
Penso que, com profissionais mais ou menos titulados, com tecnologia de ponta, ou com papel e lápis, a curiosidade do Aluno se estrutura sempre a partir do interesse e do olhar do Professor. Um dos grandes males do nosso tempo, principalmente nas grandes cidades, é a falta do olhar, a postura burocrática, nem sempre óbvia, e os vazios que ela traz consigo. Corremos, corremos, e perdemos nosso foco e nossa alma no caminho. Será que a Educação não está sofrendo, cronicamente, dessa doença silenciosa, mas potencialmente muito danosa? Conto uma historieta para ilustrar: “7h45min da manhã. Filha e mãe saem de casa e entram no elevador do prédio onde residem. Mãe carrega bolsa, mochila, casaco, lancheira. Na garagem, dirige-se resoluta ao carro, enquanto a filha de nove anos a segue, sonolenta. A mãe entra no carro, e olha o relógio, assim que consegue livrar seu antebraço das tralhas todas que carrega, e que ficam espalhadas no banco de trás do carro. ‘Como estará o trânsito?’, pensa a mãe. ‘Será que vai ter lugar para estacionar no colégio? Será que vou me atrasar para o trabalho?’ É interrompida, em seus devaneios, por uma frase que vem tímida, num fio de voz, do banco de trás: ‘Mãe, tu perdeste o hábito de ser gentil, e abrir a porta do carro para mim...’. Frente ao silêncio e surpresa da mãe, a filha arremata: ‘...e isso não é legal’”.
Soa familiar? O que tu, mãe (pai), dirias a tua filha (o) nessa situação? Poder-se-ia argumentar, sim, que a mãe acumula tarefas, que a reclamação do rebento é um sinal de ingratidão e de egoísmo, e que, afinal de contas, uma criança de nove anos já tem condições de abrir a porta do carro sozinha. Mas se, em vez de nove, essa menina tivesse 29 anos, talvez ela se expressasse de uma forma mais elaborada, e tivesse mais chance de ser escutada, se dissesse algo do tipo: “Mãe, tu estás burocrática hoje e, quando tu estás assim, eu me sinto transparente para ti”. O que andam sentindo nossos silenciosos Alunos? Fica o convite à reflexão.
Idete Zimerman Bizzi, psiquiatra e psicanalista, in: Zero Hora (RS)
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