terça-feira, 18 de setembro de 2012

Que falta de Educação

O Brasil tem aprendido, a duras penas, que é preciso planejar o longo prazo de setores estratégicos para que o futuro não venha a sabotar as conquistas do presente. Foi só depois do apagão do setor elétrico, em 2001, por exemplo, quando o País ficou às escuras por meses a fio, que foram estabelecidas metas de geração de energia para as próximas décadas. O obstáculo foi superado, mas o governo está longe de ter aprendido a lição de que é necessário plantar, com antecedência, para colher os frutos na hora certa. Uma das áreas que mais refletem essa falta de sintonia é a de educação.
Às vésperas da crise de 2008, o mercado já havia importado o termo “apagão” para o mercado de trabalho, apontando o risco que o País corria de faltar mão de obra, diante do crescimento de 5,1% do PIB naquele ano. Os anos negros da economia mundial, a partir de 2009, atenuaram esse quadro, mas o fantasma volta a rondar o Brasil novamente. Se o plano da presidenta Dilma Rousseff de colocar em andamento as obras de infraestrutura a partir do ano que vem for bem-sucedido, é inevitável que os gargalos da educação voltem a ficar escancarados. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado no fim do ano passado, mostrava que o País teria uma falta de 150 mil engenheiros já em 2012.
Mas a economia entrou em marcha lenta e adiou esse déficit para o ano que vem. O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, admite as dificuldades, mas garante que há mudanças em curso para sanar esse quadro. “Ficamos muito tempo com um baixo crescimento, então não havia uma demanda forte por mão de obra”, disse ele à DINHEIRO. (veja entrevista ao final da reportagem) “Temos um déficit nos cursos de engenharia, mas estamos estimulando a criação de novos cursos.” O problema, porém, é muito mais embaixo. A começar pelo funil do ensino fundamental. De cada 20 estudantes que entram no ensino básico, apenas dez completam o ensino médio, observa Viviane Senna, presidente do Instituto Ayrton Senna.
“E desses dez alunos, apenas dois sabem o básico da língua portuguesa e somente um tem o conhecimento mínimo necessário de matemática”, diz Viviane. “Estamos jogando o nosso principal capital, o humano, no lixo.” A situação caótica, além de óbvias implicações sociais, gera gargalos econômicos para a sexta maior economia do mundial, que almeja crescer acima de 4% de forma sustentada. Em 2012, com uma expansão do PIB inferior a 2%, o mercado de trabalho já carece de mão de obra qualificada. E se a economia decolar nos próximos anos, como faremos? A conclusão de especialistas ouvidos pela DINHEIRO é simples: falta um projeto de longo prazo para a educação.
“Se o PIB crescer 4% em 2013, teremos um problema sério”, diz Ryon Braga, da Hoper Consultoria, especializada em gestão universitária, de Foz do Iguaçu, no Paraná. “E não há soluções de curto prazo.” Um sintoma da falta de planejamento é o desespero que acomete as autoridades a cada avaliação nacional. Embora o País tenha avançado em alguns aspectos, a qualidade do ensino ainda deixa o Brasil anos-luz de outros países. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado no mês passado, é a mais recente ducha de água fria. A nota média do País aumentou apenas 0,1, chegando a 3,7 pontos.
AVALIAÇÃO MEDIANA
O resultado decepcionante levou o ministro Aloizio Mercadante a recolocar em pauta o debate sobre a mudança curricular do ensino médio, que prepara os alunos para o vestibular, incluindo o projeto de estender o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para avaliar os atuais cursos dessa categoria, o que demandaria um custo extra de R$ 17 milhões para o ministério. Outro objetivo é agrupar todas as disciplinas em quatro áreas do conhecimento: matemática, linguagens, ciências da natureza e ciências humanas. O debate, que conta com a participação dos governos estaduais, se dá sobre diretrizes já aprovadas pelo MEC no fim do ano passado.
A questão é como implementá-las. “O professor formado em química não foi preparado para dar aula de matemática e física”, afirma Priscila Cruz, diretora do Todos Pela Educação. “A discussão da formação docente deveria ser anterior ao debate curricular.” Enquanto isso, o governo tenta adiar o debate sobre o aumento de recursos para a educação, preocupado com o peso que a área pode ter no Orçamento. Na quarta-feira 5, porém, sofreu uma derrota na Câmara Federal. Os deputados encaminharam o projeto de lei que cria o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê aumentar de 5,1% para 10% do PIB os recursos destinados à área, para análise do Senado, sem passar pelo plenário da Câmara.
Reduzir o problema a dinheiro é ter uma visão muito simplista do problema, alerta Viviane Senna. “Mais recursos são sempre bem-vindos, mas a sua eficácia depende de como eles são geridos.” Paula Caleffi, reitora da universidade Estácio, concorda. “Meu receio é que, ao se aprovar a taxa de 10% do PIB, a sociedade ache que o problema estará automaticamente resolvido.” Pior ainda é ver o governo atrelar o aumento das verbas para o setor aos royalties do petróleo do pré-sal, que só devem aparecer dentro de alguns anos. Os especialistas apontam que o País deveria debater, desde já, a melhoria nos salários dos professores, uma forma de elevar a qualidade dos docentes.
“Os professores ganham, em média, 40% menos que outros profissionais que têm a mesma escolaridade”, diz Priscila, da Todos Pela Educação. Como um efeito dominó, alunos são malformados e ingressam numa faculdade levando para as salas de aula carências que terão de ser supridas pelos professores universitários. “O ensino superior perde tempo tentando consertar as deficiências que os alunos trazem do ensino médio”, diz Paula, da Estácio. “Isso acaba atrasando a qualidade dos formandos como um todo.” A política de cotas, que prevê 50% das vagas das universidades federais para os estudantes de escolas públicas, tende a agravar esse problema.
“Cota não é algo que corrija um problema, é algo que remenda um problema”, afirma Viviane Senna. Além da falta de qualidade, o número baixo de vagas para o ensino médio, técnico e superior é outra armadilha do atual sistema educacional. Hoje há um milhão de alunos matriculados em cursos técnicos, mas o País precisaria de três milhões para dar conta da demanda do mercado (veja quadro na pág. 38). “Os países que fizeram a revolução na educação, como a Coreia e Cingapura, investiram em estudo técnico, visando um melhor aproveitamento da mão de obra qualificada”, diz Ryon Braga, da Hoper Consultoria. Revolução, pelo visto, é uma palavra que ainda está fora do dicionário brasileiro quando o assunto é educação.
Fonte: Istoé Dinheiro

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