Há uma frase atribuída a Millôr Fernandes segundo a qual “as estatísticas são iguais aos biquínis: mostram tudo, mas escondem o essencial”. Foi mais ou menos com esse sentimento que os brasileiros receberam a notícia, no início do mês passado, de que havia no país, em 2010, 3,8 milhões de crianças e jovens, entre 4 e 17 anos, fora da Escola.
A informação, divulgada pela imprensa nacional, causou espanto. Isso porque as estatísticas até então apresentadas com euforia pelo Ministério da Educação mostravam um Brasil que caminhava a passos largos para a eliminação completa do analfabetismo, com crescimento expressivo e ascendente das vagas oferecidas para os ensinos fundamental e médio. Se a coisa andava tão bem assim, por que tantas crianças e adolescentes se encontravam do outro lado do muro que separa a vida Escolar do mero vaguear pelas ruas?
Os dados revelados pelo movimento Todos pela Educação, com base no resultado preliminar do Censo de 2010, foram realmente preocupantes: há pelo menos 1.156.846 crianças entre 4 e 5 anos sem atendimento Escolar e 1.728.015 jovens de 15 a 17 anos fora das salas de aula. Conclui-se, portanto, que pelo menos dois fatores de fundamental importância foram desconsiderados pelos números oficiais: de um lado, a carência no oferecimento de creches e pré-escolas para as crianças pequenas e, de outro, o alto índice de evasão Escolar.
A face oculta da moeda, representada pelo número significativo de crianças e adolescentes fora da Escola, confirma a assertiva de que, para se garantir o direito pleno de acesso à Educação, não basta a abertura de vagas nos estabelecimentos de ensino. Há 40 anos o grande pedagogo Paulo Freire alertava que o problema da Educação no Brasil não se resolveria com a aritmética, que chamou de “bancária”, resumida na simples equação de quantos estavam dentro e quantos estavam fora da Escola. Tampouco funcionaria a aplicação de medidas coercitivas, impostas a pais e alunos, obrigando à frequência. O efetivo compromisso com a Educação somente se realizaria com o fornecimento do ensino fundamental de qualidade, apto a favorecer a construção da cidadania e o desenvolvimento integral do homem.
No entanto, o que se tem visto no Brasil é que, uma vez ultrapassada a barreira do acesso à Escola, a criança tem pouco ou nenhum incentivo para nela permanecer. As causas da evasão são variadas, e vão desde a falta de transporte Escolar e de material didático até à necessidade de trabalhar ou de ajudar os pais em casa. A falta de interesse em permanecer na Escola, entretanto, parece ser a maior delas.
De fato, a dinâmica da comunicação e das informações na sociedade de hoje, com a internet e redes sociais, mudou a forma tradicional de transmissão do conhecimento. Com isso, tanto o mundo virtual, como o mundo real, do lado de fora do muro, se apresenta para o jovem muito mais atrativo e interessante. A maior parte das Escolas ainda não está pronta para esse desafio, muito embora se lhes destinem computadores e laptops para uso dos alunos. A formação de professores motivados e capacitados a lidar com as novas ferramentas é fator essencial para a transformação do ambiente Escolar em algo mais dinâmico e inovador.
Outro fator que merece reflexão é a questão do currículo, muitas vezes distante da realidade e do cotidiano vivido pelos alunos. A relação entre a cultura da Escola e a cultura local é fundamental para a consolidação da cidadania. Como esperar que os cidadãos do futuro participem da votação de planos diretores municipais, de orçamentos e projetos comunitários, se desconhecem o ambiente geográfico e social em que vivem?
O Brasil está hoje entre as seis maiores economias do mundo e os otimistas dizem que chegará à 5ª posição, em 2015. A presidente Dilma afirmou mais de uma vez que o desenvolvimento do país depende da Educação. Devemos, pois, depositar nesse ponto o nosso maior empenho. Para isso não basta colocar as crianças dentro da Escola. É preciso fazer que elas gostem de ficar lá.
Mônica Sifuentes, desembargadora federal, in: Correio Braziliense (DF)
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