Quem atualmente se responsabiliza por cerca de 4 milhões de crianças fora da escola, por 10% da população analfabeta ou ainda pela existência de uma fila de mais de 10 milhões de pais e mães à espera de uma vaga em creches públicas? Embora a Constituição de 1988 estabeleça que é dever do Estado garantir educação de qualidade a todos os brasileiros, o país ainda não tem reposta para a pergunta.
Ao lado do Plano Nacional de Educação (PNE), a formulação de uma Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) — nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — deve se tornar uma das principais agendas da educação em 2012. A ideia é antiga no setor e teve uma proposta aprovada na 1ª Conferência Nacional de Educação (Conae), em abril de 2010. No fim do ano passado foi formada uma comissão especial na Câmara dos Deputados para tratar do tema e, até o fim do primeiro semestre, os parlamentares devem aprovar um projeto de lei.
A ideia inicial é criar um mecanismo que possa punir gestores que administrarem mal os recursos da área ou não cumprirem metas de melhoria da educação determinadas em lei. O Ministério da Educação (MEC) acredita que o instrumento dará mais força às metas do PNE. O Ministério Público será a instância responsável por fiscalizar e cobrar de prefeitos e governadores, além do governo federal, o cumprimento de metas educacionais e outras determinações legais.
O movimento Todos pela Educação acolheu o assunto como uma de suas principais bandeiras para este ano e promoverá em maio seminário para parlamentares e assessores legislativos como forma contribuir e acelerar a tramitação da LRE. Mas a diretora-executiva da entidade, Priscila Cruz, explica que o desafio dessa agenda é modelar a futura legislação, de modo que “não seja mais uma lei que não pega.”
Valor: Como está a tramitação da LRE neste momento?
Priscila Cruz: A comissão foi instalada, os deputados fizeram a apresentação de todos os requerimentos de solicitação de audiências públicas. Espera-se sete ou oito audiências, aí a comissão vota a matéria.
Valor: Já estão definidos os termos da LRE, gestores serão punidos, de fato?
Priscila: No nosso seminário vamos discutir a experiência da Lei de Responsabilidade Fiscal e alguns pontos para a educação. Se a gente está falando de responsabilização, a ideia é definir quem é responsável pelo quê, mas será preciso definir um modelo legislativo adequado.
Valor: Mas aí não seria flexibilizar o aspecto punitivo?
Priscila: Poderíamos criar uma lei superpunitiva, pegando todos os municípios que não aumentaram o Ideb em determinado período. Nesse caso o prefeito responderia por impobridade administrativa, por exemplo. A lei também pode ter um formato mais de controle social, que diz assim: “Olha, todo o ano o prefeito vai ter que ir à Câmara de Vereadores e o governador à Assembleia Legislativa para apresentar os resutados de vários indicadores educacionais. É uma régua que vai do superpunitivo ao controle social, é uma engenharia complicada de resolver no Congresso. Não podemos criar viés negativo de seleção, achar que a lei é ótima mas na prática acaba sendo pior porque ninguém pode querer ser secretário de Educação com uma lei dessa vigorando. Mas também não podemos fazer uma lei muito light, que pode acabar virando aquleas leis que não pegam.
Valor: E a solução seria...
Priscila: Tem que ter um mix de todos esses extremos, uma parte que você tensiona para o resultado, e também uma parte que aproxime a população da realidade da educação. O que não pode é um município não avançar no setor em quatro anos e a sensação de culpa pelo mal aprendizado ou pela escola ruim ficar com o aluno ou sua família.
Valor: Que indicadores poderiam compor a LRE?
Priscila: Pode entrar o Ideb se for aperfeiçoado, pois hoje ele é incompleto, uma escola pode construir sua nota com apenas 50% dos alunos fazendo a Prova Brasil. É preciso 85%, 90% de participação para se firmar um indicador consistente. Pode ter também um indicador de desigualdade educional. Aí o prefeito, os gestor podem trabalhar para que as piores escolas avancem mais velozmente do que as escolas que estão perto da meta do Ideb ou de um patamar da OCDE, que é 6 pontos.
Valor: A LRE pode forçar prefeitos, governadores ou gestores a focalizar os menos favorecidos?
Priscila: Isso, pode criar uma forma de estímulo. Temos que fazer uma coisa na educação brasileira que é dar mais para quem tem menos, para que eles possam superar condições de vulnerabilidade. Fazer Justiça não é dar tudo igual para todo mundo. Existe coisa inercial: quem está mais para frente tem a inércia positiva e consegue avançar mais rápido, quem está muito pra trás precisa de um empurrão a mais.
Valor: Esse lei poderia exigir maior financiamento público?
Priscila: Se falamos em estimular tem que mexer no financiamento. Nesse ponto os economistas podem dar contribuição importante. Se dou mais recursos para quem está muito mal, será que isso não vira incentivo para ele acomodar? Isso tem que ser bem pensado, junto com os recursos tem que chegar capacitação técnica, monitoramento. O prêmio do avanço seria autonomia, à medida que a rede vai melhorando vai ganhando autonomia.
Valor: Uma vez aprovada, a LRE ajuda a mudar em que medida o formato da educação no Brasil hoje?
Priscila: É uma lei diferente, não é como a Emenda Constitucional 59, que torna obrigatória a frequência escolar de crianças e jovens de 4 a 17 anos até 2016. A LRE tem um perfil de influenciar indiretamente para que a gestão faça a sua parte. Hoje quem paga a conta pela baixa qualidade da educação brasileira é o aluno, não tem mais ninguém pagando por isso, e ninguém está sendo cobrado, tensionado, até porque a pressão social é muito baixa. A LRE ajuda a criar uma pressão institucional, cria algum tipo de constrangimento para aquele gestor que não está cumprindo sua responsabilidade de melhorar a educação. Além disso, não podemos perder de vista que educação é um direito. Não pode ser um azar a criança receber uma educação ruim. Essa lei ajuda a melhorar marco legal do setor e a proteção da educação.
Valor: Confia numa votação rápida?
Priscila: O presidente da comissão especial tem ideia de votá-la no primeiro semestre, até porque é ano de eleições municipais, deixar para o segundo é arriscado. Vai depender muito do teor da lei para que seja votada com agilidade. Ninguém acreditava que a Lei de Responsabilidade Fiscal pudesse ser votada, hoje ela é uma referência de boa prática.
Fonte: Valor Econômico Online
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