Em um país que se alinha às principais economias emergentes do mundo, com influência crescente no panorama político e econômico internacional, os problemas sociais só se explicam pelos ainda altos níveis de desigualdade. Nenhum outro fator influencia tanto essa questão quanto a Escolaridade, que guarda relação direta com as condições de emprego e renda, o que por sua vez implica oportunidades educacionais de mais baixa qualidade para as novas gerações, alimentando um processo de reprodução da pobreza e da desigualdade. Romper esse círculo vicioso requer políticas que garantam, ao filho do pobre, condições para que conclua sua Educação Básica, pré-requisito essencial para a inserção no moderno mercado de trabalho.
Por seu lado, hoje não pairam dúvidas sobre a estreita correlação entre os baixos índices de escolaridade de nossa população e os entraves que enfrentamos no processo de desenvolvimento sustentável. Nenhum país tem possibilidades de competição no mundo globalizado sem que a Escolaridade média de sua gente seja de, no mínimo, 11 anos. Infelizmente, nossa média nacional ainda é de apenas 7,2 anos de estudo e, mesmo entre jovens de 20 a 24 anos, ela alcança somente 9,6 anos. Ou seja, em média, nossa juventude consegue apenas terminar o Ensino Fundamental.
Assim, a prevalência de uma formação Escolar abaixo do patamar mínimo exigido para a inclusão profissional responde, tanto por altos níveis de desemprego entre os jovens, quanto por uma sensível escassez de recursos humanos. Os resultados da Pnad de 2010 mostram, entretanto, que o problema está longe de ser equacionado. Dos 10,3 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, apenas 50,9% estão no Ensino Médio. O pior é que, dos 3,3 milhões que ingressaram em 2008 no 1º ano do Ensino Médio, apenas 1,8 milhões concluíram o 3º ano em 2010 (Censo Escolar/MEC/Inep). Uma verdadeira sangria.
Podemos identificar causas internas e externas para essa sangria. Por um lado, a inadequação da Escola oferecida para a maioria de nossos jovens. Por outro, questões socioeconômicas que os empurram precocemente para o mercado de trabalho.
Nosso Ensino Médio tem um currículo enciclopédico (13 componentes curriculares obrigatórios e mais 7 temas transversais), sem nenhuma flexibilidade e divorciado do mundo do trabalho (não chega a 10% o percentual dos alunos que cursam o ensino profissionalizante). Em outras palavras, mais de 90% de nossos jovens estão sendo “preparados” para uma universidade na qual a maioria não pisará, por meio de uma enxurrada de conteúdos superficialmente tratados, e sem nenhuma adequação a seus interesses.
Praticamente não existem alternativas de trabalho e renda associadas à Escola, como projetos de monitoria (trabalho na Escola), estágios remunerados ou programas ligados à Lei de Aprendizagem, que possibilitem o estabelecimento de nexos entre Educação e trabalho e promovam a permanência na Escola, de preferência evitando a optação pelo noturno.
Felizmente, podemos observar que nos últimos anos, após a conquista da universalização do acesso ao ensino fundamental, o ensino médio começa a entrar na agenda pública. Como fruto dessa preocupação temos, por exemplo, a Emenda Constitucional nº 59/2009, que amplia a obrigatoriedade de Escolarização entre 4 e 17 anos de idade, e a recente Resolução n.2 do Conselho Nacional de Educação de 30/1/2012 que estabelece as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM). As novas diretrizes não enfrentam o problema do excesso de componentes curriculares obrigatórios, mas propõem alternativas de flexibilização, mediante a oferta de diferentes formas de organização curricular no âmbito da Escola.
Outro avanço das diretrizes foi a proposta de um exame universal e obrigatório ao final do Ensino Médio, hoje inexistente (o Saeb é amostral e o Enem é facultativo). Para que o Enem cumpra esse papel, entretanto, é necessário que seja repensada sua Matriz de Competências, em função de uma pergunta: Que competências um indivíduo precisa necessariamente ter desenvolvido ao final de seus estudos básicos para entrar no mercado de trabalho ou prosseguir em seus estudos? Em outras palavras, quais as expectativas de aprendizagem para o final do ensino básico? Somente a partir dessa definição, os diferentes componentes curriculares devem ser chamados a identificar sua contribuição específica. Se for feito ao contrário, iniciando-se pelos infindáveis componentes, teremos uma megamatriz e um Enem para superdotados.
Há muitos desafios a serem superados, mas conhecer a realidade que se quer transformar é o primeiro passo para que seja possível adequar o atendimento, planejar e estruturar estratégias de contenção do abandono, avaliar e promover melhorias significativas e eficazes. Para isso, precisamos contar com a sinergia de toda a sociedade na promoção da garantia, às novas gerações, do passaporte mínimo para a inserção no moderno mercado de trabalho – a conclusão e o bom desempenho no Ensino Médio.
Wanda Engel, Doutora em Educação pela PUC-RJ, in: Fonte: Folha de S.Paulo (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário