Há alguns meses, causou burburinho na web o vídeo de uma garota de cerca de 1 ano, que clicava sem parar nas páginas de uma revista, na esperança de que elas deslizassem e se abrissem, como na tela de um iPad. Para quem cresceu enquanto a internet — e até o computador — não existia, é difícil digerir a cena. As próximas gerações, contudo, devem aprender programação com tanta naturalidade quanto seus pais aprenderam a montar quebra-cabeças. Ela é, defendem estudiosos norte-americanos, uma espécie de “nova matemática”. Uma equipe de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, já está se preparando para educar as crianças dessa nova era. Com o projeto ScratchJr, eles pretendem ensinar a linguagem dos computadores para crianças da pré-escola, na faixa entre 5 e 7 anos, ao mesmo tempo em que elas aprendem o beabá.
“Programação é apenas mais uma maneira de se expressar, assim como desenhar com giz de cera, construir com blocos de Lego e aprender a escrever”, argumenta Mitchel Resnick, pesquisador do MIT e um dos idealizadores do projeto. “Faz sentido dar às crianças a oportunidade de expressar-se de todas as maneiras disponíveis. Com giz, elas criam imagens; com blocos, casas e castelos; com programação, podem fazer histórias interativas e jogos.”
Resnick e sua equipe não começam do zero. Eles já têm anos de experiência em Educação com tecnologia. Enquanto o pesquisador trabalhou com o Scratch, o restante da equipe já apresentou aos pequenos até mesmo os robôs. É o caso de Marina Bers, professora da Universidade Tufts e autora do livro Blocks to robots: learning with technology in the early childhood classroom (editora Teachers College Press).
Marina dirige um projeto com crianças na faixa dos 4 anos. A experiência consiste em introduzir a robótica à tradicional brincadeira com blocos. Cada uma das peças é equipada com um código de barras e representa uma ação. O bloco vermelho, por exemplo, faz com que o robô ande para frente; o bloco azul, que volte para trás. As crianças aprendem a dar esses comandos e sequenciam os blocos como se estivessem contanto uma história. Uma câmera lê as tarefas ordenadas nos códigos de barra e envia a mensagem ao computador que, por sua vez, faz com que o robô se mova. “É mais fácil ensinar o raciocínio com objetos. Aos poucos, conforme elas vão aprendendo a dominar o processo, podem ser transferidas para o computador”, explica Marina.
O ScratchJr, que deve ficar pronto em setembro, pretende trabalhar com esse próximo passo. Segundo Marina, durante os testes, os pesquisadores têm pensado em usar equipamentos touchscreen, como iPads, e o mouse do computador. A missão das crianças seria fazer desenhos e desenvolver jogos simples para seus colegas, não para os professores. “Não faz sentido que um professor se sente diante da sala e mande os alunos copiarem uma série de códigos para reproduzirem, todos, o mesmo programa. Não é isso que esperamos. Se não for uma ferramenta para estimular a criatividade, seria melhor que o ScratchJr nem fosse usado”, defende a especialista.
Quando se fala em crianças e computadores, há alguns pais que se arrepiam em pensar nas centenas de ameaças que estão do outro lado da tela, como pedofilia ou sequestro, entre outras. É preciso, contudo, respirar fundo e pensar com cuidado. A programação pode dar aos pequenos, desde cedo, uma ferramenta de expressão capaz de desenvolver muitos de seus talentos, além de prepará-los para a realidade do mundo informatizado em que vivem. Isso não significa, obviamente, que pais e educadores não devam ter cuidado.
A equipe do ScratchJr já pensou nisso. O software, alegam os pesquisadores, será usado em um computador que não está ligado à internet. Em sua versão amadurecida, o Scratch, o programa possibilitava que as crianças partilhassem seus projetos (jogos, desenhos e histórias) com os colegas na web, mas havia uma rede de voluntários atentos em tempo integral para garantir a segurança da comunidade.
Em casa, pedagogos recomendam o diálogo como melhor ferramenta de prevenção. “A internet, como tudo na vida, é uma questão de diálogo. Como há programas lamentáveis na tevê e ameaças de drogas nas Escolas, também haverá perigos na rede. Uma atitude policialesca de evitar totalmente o contato com a tecnologia não dará conta do recado”, aconselha Lucila Pesce, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Claro, filtros também podem colaborar — os métodos devem ser opção de cada família, adaptando-se à sua realidade.”
Há também quem questione se o intelecto dos pequenos está preparado para abarcar algo tão complexo quanto a programação. Para Lucila, esse é o menor de todos os problemas. “As crianças nos surpreendem. Quando lidam com softwares em inglês, por exemplo, elas usam outras estratégias, além da língua, para entender seu funcionamento. Erramos ao subestimar sua capacidade. Elas não têm limitações, nós que impomos isso a elas. Está na hora de a Educação deixar de trabalhar com o limite e abraçar a possibilidade.”
RACIOCÍNIO LÓGICO
Palavra de especialista: Lucila Pesce, pedagoga da Unifesp.
“Oferecer às crianças a oportunidade de desenvolver seu raciocínio mediante a utilização da programação é, a meu ver, ofertar-lhes mais uma, entre tantas possibilidades, de atribuir sentido e significado aos conceitos matemáticos. Com base nessas considerações, acredito que o trabalho com a linguagem de programação, por si só, já teria algum valor. Esse processo, entretanto, pode ser enriquecido ainda mais se for integrado ao projeto pedagógico (de uma disciplina, da série em que a criança está cursando ou até da Escola) — por exemplo, um projeto sobre o meio ambiente desenvolvido com atividades como teatro, visita de campo, roda de conversa, confecção de livros pelos alunos e também uso da linguagem de programação Scratch. Ou seja: embora os recursos tecnológicos tenham valor na formação da criança, o que de fato define a sua efetividade é a proposta pedagógica com que são usados."
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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