terça-feira, 6 de março de 2012

O português desconhecido

Idéia, microondas ou freqüência. A antiga grafia de palavras como essas ficará definitivamente no passado. Este é o último ano para a completa adaptação ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, iniciada em 2009 para fortalecer o português. Após o fim de 2012, a matéria será cobrada em vestibulares, no Enem, no PAS, em concursos públicos ou em qualquer outro teste. Embora restem nove meses dos quatro anos estabelecidos para fazer a transição, professores de escolas públicas do DF ainda não passaram por treinamento específico, não há uma padronização na rede e os livros para o ensino médio atualizados começaram a ser distribuídos em janeiro deste ano. Em algumas instituições, os estudantes perguntam: “Acordo ortográfico? Hã?”
Em outras escolas, os alunos contaram com a boa vontade dos docentes para que a matéria fosse ministrada. Educadora na área de língua portuguesa e inglesa, Elisângela Apolinária, 36 anos, tirou do próprio bolso o dinheiro para investir em formação.
“A Secretaria de Educação não nos passou nenhuma instrução. Procurei me aperfeiçoar sozinha, busco livros recentes e ensino aos alunos”, relatou. A profissional acredita que independentemente de opiniões a favor ou contrárias ao estipulado pelo Decreto nº 6.583, de 2008 e adotado em 2009, é preciso passar o conteúdo em sala de aula. “É lei e temos que seguir.”
Devido à falta de padronização, a diferença entre algumas escolas regidas pelo governo é gritante. No Centro de Ensino Médio da Asa Norte (Cean), a matéria foi assimilada por boa parte dos estudantes, após terem aulas específicas. No Centro Educacional 3 (CED 03), localizado em Sobradinho, os alunos nem sequer sabem o que significa o acordo. Luana Ribeiro, 16 anos, e Larissa Margorye, 15, ambas no 1º ano, nunca tiveram uma aula específica sobre o assunto. “Os livros novos chegaram e os professores falaram que eles são melhores, mas não comentaram nada sobre atualização de alguma palavra. Estudo nessa escola desde a 5ª série e nunca ouvi nada sobre isso. Mudou alguma palavra?”, indagou a menina. Larissa confessa: “Tem um dicionário com essas mudanças lá em casa, mas sem o incentivo da escola, nunca me interessei em ver”.
Por meio da iniciativa isolada de uma educadora, os alunos do Cean discutem o assunto e têm argumentos sobre a importância do acordo internacional. “A professora ensinou no ano passado. Sei que caiu o trema, que ideia perdeu o acento e outros. Agora, é intensificar o estudo. O vestibular está aí e temos que ter essa matéria na ponta da língua”, disse Vitória Jamille Lira, 15 anos, estudante do 3º ano. Empenhada para passar em medicina, Gabriella Laís Rodrigues sabe de cor e salteado toda a mudança. “Aprendi na escola e em um cursinho pré-vestibular. Faço duas redações por semana, estudo mais de oito horas por dia. Quando tenho dúvidas, consulto o dicionário on-line”, contou a jovem, também no último ano do ensino médio.

"QUESTÃO DE DECORAR"
De acordo com a gerente do Livro e da Leitura da Coordenação de Educação Integral da Secretaria de Educação do DF, Cristiane Salles, não existe um curso de formação específico para os professores acerca da nova regra. “Os docentes têm uma formação continuada, na qual trabalham todos os assuntos. A nova ortografia é um dos temas. Nossa prioridade não é ensinar os alunos a não colocarem acento no ‘ideia’, mas sim formar pessoas críticas, capazes de construírem um texto coeso, coerente, com ideias interessantes e pensamento crítico”, disse. Para ela, o acordo ortográfico tem um bom propósito, mas que deixou de ser necessário a partir do momento que os outros países não fizeram as mudanças previstas no decreto. “Fizemos todo esse esforço para nada? Para que, afinal, essa reforma foi feita?”, questionou.
A gerente enfatiza ainda que as mudanças são poucas e podem ser explicadas em uma semana. “É só uma questão de decorar. Compre um CD, coloque no computador e pronto, problema resolvido”, aconselhou. O aluno do 3º ano do Cean Marcos Vinícius Mulati pensa diferente. “Passei mais de oito anos aprendendo de um jeito. De repente, na época mais importante da minha vida, tenho que desaprender tudo. Ainda coloco trema nas palavras. Acho complexo mesmo com as aulas da professora”, relatou o jovem.

TREINAMENTO
As escolas privadas adotaram outra tática. A cada seis meses, todos os docentes têm um treinamento promovido pelo sindicato que representa a categoria, além de aulas periódicas dentro das instituições. “Todas as escolas cobram o aprendizado da norma em sala de aula. Desde 2009, os livros novos são utilizados. Eu fiz os cursos e, às vezes, me pego com dúvidas. Imagine esses alunos que precisam desconstruir um conhecimento para construir outro? É preciso tempo para isso”, ressaltou a presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios.
Até 31 de dezembro de 2012, a norma vigente e a nova andam juntas. Não haverá penalidade para quem não utilizar o estipulado no decreto. Com a virada do ano, os editais começam a mudar. O Inep, autarquia vinculada ao MEC que aplica o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), fará a mudança em 2013. O Cespe já escreve os textos para as questões de interpretação com a nova forma, mas ainda não tira pontos dos candidatos. Em janeiro do ano que vem, os editais conterão todas as instruções para que se respeite as mudanças ortográficas.
"Os docentes têm uma formação continuada, na qual trabalham todos os assuntos. A nova ortografia é um dos temas. Nossa prioridade não é ensinar os alunos a não colocarem acento no ‘ideia’, mas sim formar pessoas críticas, capazes de construírem um texto coeso, coerente, com ideias interessantes e pensamento crítico.”
Fonte: Correio Braziliense (DF)

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