Depois de oito anos debruçado sobre o assunto, um dos mais respeitados acadêmicos brasileiros, o professor Aloísio Araújo, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), lança, na próxima quarta-feira, o livro "Aprendizagem infantil - Uma abordagem da neurociência, da economia e psicologia cognitiva".
Convencido de que os economistas precisam se envolver mais nos temas sociais, Araújo coordenou a publicação, que reúne artigos de um grupo de economistas, entre eles James Heckman, Nobel de Economia em 2000, pela série de métodos que desenvolveu para avaliar o sucesso dos programas sociais e de Educação.
A conclusão do livro é que quanto mais cedo a criança for estimulada intelectualmente maiores são as chances de se transformar em um adulto bem-sucedido no mundo do trabalho.
Como surgiu a ideia desse livro?
ALOÍSIO ARAÚJO: Nasceu da combinação do interesse científico do tema e de sua alta relevância para o país, já que temos, apesar dos investimentos oficiais, baixas taxas deEscolarização e desempenho medíocre nas avaliações. Não bastasse isso, a fecundidade no Brasil é maior justamente entre as mulheres de menor índice de instrução.
Historicamente, possuímos altos níveis de desigualdade de renda, o que acaba prejudicando o desenvolvimento econômico do país. Pesquisa divulgada em agosto último mostrou, por exemplo, que 57,2% dos estudantes do terceiro ano do ensino fundamental no Brasil não são capazes de resolver problemas básicos de matemática, como as operações simples de soma ou subtração.
Por que esse interesse especial sobre a aprendizagem infantil?
ARAÚJO: Dificuldades de linguagem são associadas às de processamento matemático e de lógica, o que remonta a falhas na alfabetização. Estudos da neurobiologia mostram que o desenvolvimento mais acentuado da estrutura cerebral ocorre nos primeiros anos de vida.
Corroborando com este entendimento, estudos feitos por economistas, como Heckman, por exemplo, comprovam que investimentos feitos durante a primeira infância, entre os 3 e 4 anos de idade, têm uma taxa de retorno de 17% ao ano, enquanto alguns programas de recuperação tardia apresentam retornos que são quase nulos.
Além de identificar os problemas, o livro também apresenta soluções?
ARAÚJO: Deveríamos copiar o modelo adotado em Cuba, que incorporou as dimensões de desenvolvimento cognitivo e linguístico das crianças no atendimento pré e pós-natal dos serviços de saúde pública. O Brasil até já tem experiências como essa, mas são esparsas, especialmente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Só que precisamos implantar um programa em larga escala. Já está comprovado que o número de palavras que a mãe fala é determinante no desenvolvimento fonético de uma criança. Aproveitamos para fazer recomendações de políticas públicas, como a construção de creches de alta qualidade nas regiões de baixo desempenho Escolar.
Então não basta investir na aprendizagem infantil, é preciso incorporar o núcleo familiar e, especialmente, a mãe nesse processo.
ARAÚJO: Exatamente. Até porque, como comprovam as pesquisas, desigualdades de rendimento Escolar em função de diferenças educacionais da mãe, persistem, na média, ao longo de praticamente toda trajetória educacional da criança.
Logo, para corrigir estas desigualdades educacionais e permitir um maior desenvolvimento econômico para a população via incorporação de um número maior de adolescentes em faixas mais elevadas de Educação, é preciso fazer intervenções na fase mais precoce da criança.
Não seria um pouco fatalista pensar que uma criança que tenha estudado numa creche de baixa qualidade está fadada ao fracasso?
ALOÍSIO ARAÚJO: Veja, é no seio intrafamiliar, nos primeiros anos de vida, onde os pais mais educados, através de leituras e estímulo, conseguem preparar melhor a criança. Um dos artigos do livro, do economista Ricardo Paes e Barros, do Ipea, mostra, através de estudos econométricos, que creches de baixa qualidade não conseguem ter efeitos significativos no desempenho educacional posterior.
O senhor poderia dar um exemplo?
ALOÍSIO: Publicamos no livro palestra de James Heckman e do economista Flavio Cunha, da Universidade da Pensilvânia, feitas em 2009, onde eles defendem que aumentar o investimento na primeira fase da infância em 10% leva a aumento de 0,25% em salário de adulto.
A mesma proporção de aumento dos investimentos na Educação na segunda fase tem um efeito maior (0,3%), mas, sobretudo, através de melhoria das competências não cognitivas (como paciência, esforço, persistência e motivação). Investimento na terceira fase tem efeitos mais fracos e opera, principalmente, através do seu efeito sobre habilidades não cognitivas.
Então quanto mais velha fica a criança, mas difícil é recuperar o tempo perdido?
ALOÍSIO: Como concluíram Heckman e Cunha na palestra que fizeram no Rio há dois anos, é mais difícil compensar os efeitos dos ambientes adversos sobre heranças cognitivas em idades mais avançadas do que em idades mais precoces. Eles concluíram ainda que 34% da variação no nível de Escolaridade são explicados pelas medidas de capacidades cognitivas e não cognitivas que usamos.
Os outros 16% devem-se a capacidades cognitivas (capacidade de aprender outras línguas, construir argumentações, analisar fenômenos etc.) do adolescente e outros 12% são devidos a capacidades não cognitivas do adolescente. Investimentos parentais mensurados respondem por 15% da variação no nível de Escolaridade. Para os mais desfavorecidos, a política ótima é investir muito nos primeiros anos.
O Brasil apostou na universalização do ensino fundamental. Isso não é suficiente?
ALOÍSIO: A Educação no Brasil vem melhorando desde a época da Constituição, que definiu um valor mínimo a ser aplicado na Educação. A universalização até os 17 anos é fundamental, mas a qualidade ainda é questionável, muito baixa mesmo. Investir na Educação ajuda inclusive a reduzir a criminalidade.
Eu pessoalmente defendo a construção de mais presídios. Apesar do esforço feito, com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a taxa de criminalidade no Rio ainda é altíssima. O ideal é abaixo de 10% por 100 mil habitantes. No Rio, é duas vezes e meia maior. (L.M.)
O Globo (RJ)
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