Acabo de voltar de Portugal. Crise econômica, redução de salários, aumento do desemprego, envelhecimento do país, tudo contribuía para um ambiente de pessimismo e baixa estima. Em casa, leio a reportagem de ÉPOCA sobre o otimismo do brasileiro. Nunca o povo esteve tão confiante quanto agora – comparado a 1998, o avanço é incrível.
Esses extremos realçam percepções corretas sobre o presente e o futuro das duas grandes nações de língua portuguesa. Mas é preciso compreender melhor as verdades e as ilusões por trás delas. Otimismo bom é o que busca reforçar as linhas positivas da história e também corrigir o que está errado.
Inegavelmente o Brasil melhorou muito nas últimas duas décadas, em particular com as gestões dos presidentes Fernando Henrique e Lula. Três pontos foram avanços estratégicos. O primeiro é a consolidação das instituições democráticas e da percepção positiva da democracia. Isso leva, gradativamente, a um sistema político que tem de responder cada vez mais à sociedade.
Além disso, várias alternativas de políticas públicas são colocadas à mesa, e o debate obriga os governantes a ser, paulatinamente, mais sofisticados em suas respostas aos problemas coletivos. Acima de tudo, a firme opção democrática nos livra de arroubos autoritários ou propostas salvacionistas. Talvez, como nas boas democracias, estejamos condenados a ter avanços incrementais e a cultivar a paciência como grande virtude democrática.
O segundo avanço foi a ampliação das políticas sociais e das medidas de combate à desigualdade. É bem verdade que o caminho da Constituição cidadã não tem sido linear.
Muitos problemas apareceram. Embora haja uma lista grande de tarefas a realizar, o Brasil também aprendeu com as dificuldades. Temos hoje políticas mais concentradas nos problemas reais de quem mais precisa da ação governamental.
Começaram a ser criadas tecnologias de gestão para melhorar o desempenho do Estado de bem-estar tupiniquim e gestores públicos qualificados ganham espaço na área social. A visível redução das desigualdades se deve, em parte, a melhorias na Educação e Assistência Social.
O que chama mais a atenção é a transformação do ambiente econômico. A nova situação pode ser resumida como um momento de crescimento mais sustentável, com destaque para a expansão dos empregos, para a ascensão de novos estratos sociais e para a redução das incertezas que marcaram o final do regime autoritário e a redemocratização.
Mesmo com certo repique inflacionário, não se espera a volta da inflação inercial. Mesmo que os indicadores relativos ao PIB demonstrem volatilidade, as taxas médias cresceram. O país tende, no médio prazo, a continuar apresentando um desempenho melhor que as economias desenvolvidas. Mesmo com tantas crises pelo mundo, não se vislumbra que tão cedo sejamos visitados pelo declínio e pela desesperança que hoje assolam a Europa e os Estados Unidos.
Nesse cenário, parece que fizemos tudo certo por aqui, ao passo que nossos patrícios só erraram nos últimos tempos. Essa percepção não é verdadeira. Portugal avançou mais que o Brasil em termos educacionais, o que pode ser constatado pelos resultados do exame Pisa e pela melhoria do ensino médio português.
O secundário português era marcado pela enorme evasão Escolar, reduzida pela ampliação das Escolas profissionalizantes. No Brasil, ainda “expulsamos” milhares de alunos do ensino médio, que não é atraente para os jovens e não consegue segurá-los trazendo perspectivas profissionais.
DUAS LIÇÕES
O otimismo dos brasileiros e o pessimismo dos europeus não devem esconder as coisas boas que temos a aprender com nossos patrícios portugueses
A organização urbana de Lisboa é outro belo parâmetro. Eles souberam tratar melhor do tema das cidades do que nós. Obviamente São Paulo e Rio são muito mais complexos. Mas, quando visitamos a capital portuguesa e usamos sua múltipla rede de transportes públicos, sentimos vergonha do nosso caos diário – e sentiremos mais vergonha ainda do aperto dos turistas na Copa e na Olimpíada.
Decerto a probabilidade de termos um futuro melhor se ancora em fatores objetivos, como a expansão do mercado interno, a situação demográfica, o avanço extraordinário dos setores agrícola e mineral, o potencial energético e a posição de liderança regional. Mas é preciso diagnosticar e atuar sobre aquilo que pode diminuir nosso ímpeto desenvolvimentista.
A melhoria da Educação é a tarefa, a um só tempo, mais urgente e mais de longo prazo que temos de cumprir. Fazer com que as crianças se alfabetizem solidamente, que os jovens concluam o ensino médio e que nossos estudantes ampliem nossas capacidades científicas e tecnológicas é o grande passaporte para o futuro.
Para isso, é preciso caminhar, mesmo que aos poucos, para o modelo necessário: Escola de tempo integral, carreira docente atraente, comprometimento da Escola com o aprendizado dos alunos, monitoramento constante dos resultados Escolares e incentivo para a adoção das melhores práticas pedagógicas.
Quem quiser um receituário detalhado entre na página do movimento Todos Pela Educação, que se preocupa em pensar o nosso futuro e em atuar sobre a realidade atual, com muita seriedade e – para desgosto dos fracassomaníacos – otimismo.
Construir um futuro melhor passa, por fim, por ter um projeto nacional, especialmente no que se refere à inserção política e econômica no plano internacional. Além de fazermos nossa lição de casa em áreas como Educação e Infraestrutura, precisamos fortalecer a posição geopolítica do país, com política externa altiva, mas ponderada, bem como cuidar bem da estrutura produtiva.
Este último ponto é essencial porque muitos países hoje em crise estão perdendo seu espaço econômico. Para uma nação grande e complexa como o Brasil, é necessário aproveitar vantagens comparativas, como agricultura, mineração e o aproveitamento inteligente do potencial ecológico. Mas é fundamental ter uma sólida base industrial e de serviços.
Se construirmos um caminho sustentável de desenvolvimento, o otimismo poderá ser mais duradouro. Caso tenhamos visão estratégica de futuro, poderemos atrair Portugal e os portugueses para uma sólida parceria. A riqueza das nações tende a ser maior quando jogos de soma positiva imperam entre elas.
Fernando Abrucio, in: Revista Época
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