Mais de R$80 milhões depois, o programa Um Computador por Aluno (UCA) acumula problemas. Projeto federal que distribui laptops a alunos dos ensinos fundamental e médio, o UCA, criado em 2007, tropeça quando o assunto é treinamento de professores e infraestrutura.
Por conta disso, quatro anos depois do lançamento, ainda é possível encontrar professores que não foram treinados e, portanto, não fazem o uso correto das máquinas, escolas sem tomadas suficientes ou armários para guardar os laptops. Mas não é só. Nem sempre as escolas contam mesmo com um computador por aluno, o que faz com que os estudantes tenham que revezar os equipamentos.
Segundo um relatório da Câmara dos Deputados, realizado em 2010, os problemas no UCA começaram com a implementação do programa. Cinco escolas fizeram parte do pré-piloto, em 2007, e receberam computadores doados.
O levantamento feito em São Paulo, Rio, Tocantins, Distrito Federal e Rio Grande do Sul apontou que apenas a escola gaúcha tinha o "paradigma Um para Um testado em toda sua extensão". Em São Paulo, "o uso do laptop é compartilhado por dois alunos em cada um dos quatro turnos", de acordo com o relatório.
Em Piraí, no Rio, "o acesso se restringe à escola". No Tocantins, "o mesmo laptop é compartilhado por alunos dos três turnos". Já em Brasília, "em face do limitado número de equipamentos, o experimento dá-se em apenas três turmas numa escola de mais de mil alunos".
O documento mostrava ainda que em todas as cinco escolas as adequações físicas para o funcionamento do UCA "foram, em grande parte, feitas em caráter emergencial e de maneira um tanto quanto improvisada e com resultado pouco satisfatório."
Após essa 1ª experiência, no fim de 2009, foi licitada compra de laptops para 300 escolas. Em 2010, houve nova etapa do projeto, chamada UCA Total: nela, foram selecionados seis municípios, com envio de laptops a todas as escolas em cada um deles.
Mas novos relatórios, de pesquisadores de universidades como UFJF e UFRJ, mostraram mais problemas. Um dos principais foi a falta de capacitação dos professores, ou mesmo a falta de informação: um quinto deles, em cinco das seis cidades, desconheciam o projeto, já depois de seu início.
Além disso, 40% dos professores, nessas cidades, não tinham feito curso de informática nos três anos anteriores à implantação do projeto. A pior situação foi encontrada em São João da Ponta, no Pará, onde apenas 25% fizeram; e em Barra dos Coqueiros, em Sergipe, onde somente 17% fizeram. Outro dado chamou atenção: só um terço (34%) dos professores disse trabalhar em sala de aula com o computador.
- Não adianta ter computador sem projeto pedagógico. O uso dos computadores por si só não muda nada no ambiente escolar, não altera o processo de escolarização. Para isso, é preciso oferecer os laptops e incorporar no dia a dia as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), que trazem novos desafios. Desse jeito, com auxílio dos computadores, mudaríamos a relação do aluno com o conhecimento - diz Ocimar Alvarse, da Faculdade de Educação da USP.
- Entregam os computadores, mas a gente tem que trabalhar improvisando. O programa é até interessante, mas infelizmente funciona mal, por conta, por exemplo, do revezamento do equipamento pelas turmas - diz um professor que trabalha numa escola que conta com o programa, no estado do Rio.
MEC: 150 mil laptops distribuídos para 300 escolas
Segundo o Ministério da Educação (MEC), em 2010, 150 mil computadores foram entregues para 300 escolas. No entanto, nem todos chegaram.
Em Nazária, a 30 km de Teresina, no Piauí, os 524 estudantes do 1º ao 3º ano do ensino médio da Unidade Escolar Hilton Leite de Carvalho deviam ter começado a usar os laptops em junho do ano passado, quando a escola foi inaugurada. Ganhariam também um laboratório de informática, com 12 computadores.
Quase um ano e meio depois, os mais de 500 notebooks estão em um depósito da Secretaria de Educação do Piauí, em Teresina. Tudo porque o engenheiro não instalou tomadas nas salas de aulas, e os armários, em que nos notebooks ficariam guardados, nunca foram comprados. Na unidade, o laboratório de informática também não funciona. Está trancado.
- Os notebooks vinham para cá, mas eu falei para ficar no depósito da Secretaria de Educação porque aqui não tem segurança. Os armários, onde eles devem ficar, foram licitados, mas nunca chegaram. E também não temos tomadas para todos os computadores - conta Socorro Martins, diretora da Unidade, que prefere ficar sem os equipamentos para que eles não tenham o mesmo destino do datashow.
- Arrombaram a escola e levaram. Os menores foram apreendidos, mas o equipamento nunca foi recuperado.
- Quando os computadores não chegaram, deram um prazo novo: abril deste ano. Estamos ansiosos. Falam que os professores estão recebendo treinamento, mas os notebooks nunca chegam - diz Natiane Costa Mendes, de 18 anos, do 2º ano.
No Rio, em Duque de Caxias, a escola escolhida, a estadual Marechal Rondon, não tem estrutura elétrica suficiente. A solução foi o improviso: os laptops ligados a uma caixa com tomadas, em um carrinho com rodas - que é levado para a turma que vai usar os notebooks.
Em Nova Iguaçu, os alunos da escola estadual Mestre Hiram também enfrentam problemas:
- Os laptops chegaram há dois ou três meses, os professores foram capacitados, mas o equipamento não está em uso, porque a escola não tem armários. Estão empilhados numa sala - conta Leila da Silva Xavier, do núcleo Nova Iguaçu do Sindicato dos Professores do Rio.
Os gastos com o UCA se somam aos cerca de R$485 milhões já investidos pelo governo federal, de 1999 a 2010, em outro programa de inclusão digital nas escolas: o Proinfo. Apesar disso, segundo o último censo escolar do Inep, apenas 40% das escolas nos anos iniciais do fundamental contavam com acesso à internet.
Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, divulgado em junho, coloca o Brasil em último lugar no quesito inclusão digital nas escolas, com média de 1 computador para 6,25 alunos.
O Globo (RJ)
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