sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nós dá um jeitinho

A maior tragédia do Brasil? É o jeitinho. Sem regras claras, fica-se numa zona pantanosa. O sim não significa sim. O não tampouco quer dizer não. Tudo depende. Depende do crachá, do QI (quem indica), da conta bancária, da rede de amigos.
Às vezes, do tempo. Outras vezes, do humor. Daí termos mais de 50 formas de responder à pergunta “como vai?” É um tal de vou indo, navegando, levando, como Deus quer, como o vento sopra, empurrando com a barriga. Etc. Etc. Etc. O jeitinho faz milagres. Apaga fatos históricos.
Graças a ele, o impeachment do Collor virou detalhe, indigno de figurar na história do Senado. Depois da grita — dos caras-pintadas aos historiadores —, o mais importante acontecimento da democracia contemporânea desta alegre Pindorama reconquistou a relevância. Ganhou espaço no túnel do tempo da Câmara Alta.
O jeitinho confunde ciências e muda conceitos. Erro não é mais erro. É preconceito linguístico. Escrever “os livro” ou “nós pega o peixe” figura em livro didático com o mesmo status de “os livros” e “nós pegamos o peixe”. Apesar dos esperneios de pais, estudantes,professores, empresários, políticos & gente como a gente, o ministro da Educação bate pé. Jura que os indignados estão indignados porque não leram o livro.
Há os que leram e os que não leram a obra. Uns e outros sabem que o buraco é mais embaixo. O ser bonzinho esconde baita discriminação. Acredita que o aluno da Escola pública nunca vai chegar lá.
Se aprender ou deixar de aprender a gramática normativa, não faz diferença. Ele não passará das tamancas. Não é por acaso que impera nas instituições públicas o jogo do faz de conta.
O professor finge que ensina. O aluno finge que aprende. O Estado se finge de cego.
O teatro não se restringe ao português. Abrange matemática, história, geografia, ciências. Mas é mais notável na língua pátria. Sem a habilidade da leitura, o estudante não entende enunciados. 
Prejudica-se em todas as disciplinas. Sem a habilidade da escrita, não pode exprimir-se. Se sabe a resposta da questão, não consegue escrevê-la. Assim, cada macaco mantém-se no seu galho.
Em resumo: o ensinar que “nós pega” está correto foi a gota d’água. Os que leram e os que não leram o livro sofrem na carne, no coração e no bolso o resultado do preconceito.
Dad Squarisi, In: Correio Braziliense (DF)

3 comentários:

  1. Sou professor e me coloco entre aqueles que tentam fazer uma educação melhor neste país. Mas não posso concordar com o conteúdo do texto "nós dá um jeitinho". Imagino que com boa fé o articulista condena a tese expressa no livro "por uma vida melhor", mas o faz, creio, por não compreender aspectos sutis da língua, e por não perceber também a perspectiva social da mesma. Não me estenderei aqui, mas sugiro que leia o sociólogo Pierre Boudieu: "O Amor Pela Arte: museus de arte na europa e seu público"; "economia das trocas linguísticas", e os textos sobre o assunto produzidos pela ABRALIN. Esses últimos tratando diretamente do alarde que foi feito sobre o livro.

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  2. Concordo com vc, Ricardo!
    Acredito, também, que as críticas contra o livro muitas delas carregadas de uma fúria incompreensível) tenha muito mais alvo político do que linguístico, aliás, este nem se justifica, pois para quem trabalha com Língua Portuguesa conhece muito bem da matéria.
    De qualquer forma, agradecemos seu comentário sensato. O nosso blog está de braços abertos, caso vc queira escrever e publicar textos sobre Educação.
    Abrçs!
    Erivelton

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  3. Ok, Erivelton, obrigado pelo espaço. Não tenho hábito de escrever sobre educação, mas sim sobre música (eventualmente sobre música e educação). Grande abraço e parabéns!

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