Na seleção do Colégio de Aplicação da Uerj (CAp Uerj) para o 6º ano do ensino fundamental, ano passado, a escola teve 2407 candidatos competindo por 30 vagas. Uma proporção de 80,2 estudantes para cada vaga. Quase a mesma relação do vestibular para Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi de 85,5.
A diferença é que, no CAp, quem estava na disputa eram crianças de 10 anos de idade. Da mesma forma, o Pedro II e o Colégio Militar, outras instituições públicas que realizam prova para ingresso no 6º ano, também têm seleções concorridíssimas.
Enquanto alguns educadores creditam o diferencial desses colégios justamente ao rígido processo de avaliação, outros especialistas questionam as provas, alegando que toda essa pressão para ser admitido prejudica a integridade psíquica e emocional das crianças.
Em São Paulo, a polêmica foi parar na Justiça. Com base em recomendações do Conselho Nacional de Educação (CNE) que proíbem os chamados vestibulinhos para o acesso à educação infantil e ao começo do ensino fundamental, a procuradora geral da República Eugênia Gonzaga moveu, em 2005, a primeira ação no Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, pedindo a abolição da prática no Estado. Em abril deste ano, a Justiça Federal intimou o fim das provas como ingresso. Desde então, colégios paulistas estão buscando outras formas de seleção.
Procuradora critica, mas diretor do CAp se defende
Em seu ensino infantil, Pedro II e CAp realizam sorteios para admitir alunos. Apesar de o ingresso no 6º ano não estar especificamente citado na ação do MPF, a procuradora considera a prova de seleção ilegal também nessa etapa da escolaridade. Para ela, tal carga de pressão sobre os pequenos é incompatível com o estatuto infância e da adolescência. No caso do Rio, ela orienta os pais que não se sentirem à vontade com os exames a registrar denúncias na Procuradoria Regional dos Direito do Cidadão.
— Esse tipo de seleção é absurda. É uma prática inconstitucional, que compromete a integridade física da criança. A família cria uma expectativa e, com isso, joga para os pequenos todo o peso da responsabilidade de ter que passar naquele concurso — diz.
Por outro lado, o professor Lincoln Tavares, diretor do CAp Uerj, defende que o preenchimento das vagas por mérito é justo e um dos principais fatores para a manutenção do padrão de qualidade do colégio. Tavares também alega que o tipo de exame promovido para a seleção privilegia o raciocínio lógico e não a decoreba, não sendo necessário, por isso, um grande aumento na carga de estudos ou a preparação em cursinhos.
— O CAp Uerj só tem condição de receber 30 alunos por ano no 6º ano. Se existem mais pessoas querendo ter acesso à instituição do que vagas, é preciso criar um critério de seleção. Até o momento, entendemos que as provas são um método justo e eficiente para definir quem deve entrar no colégio, mas nada impede que, daqui a algum tempo, a gente venha a reformular isso — explica o diretor.
Os cursinhos preparatórios, no entanto, são uma realidade comum para as crianças que tentam vagas em escolas como o CAp, o Pedro II e o Colégio Militar. No curso Radical, em Botafogo, as salas são sempre cheias de pequenos candidatos, que frequentam as aulas pelo menos duas vezes por semana, em turnos opostos ao colégio regular.
Sara Grossi, de 12 anos, está no 6º ano da Escola Municipal José de Alencar e faz o preparatório pela terceira vez para as provas do Pedro II e do CAp Uerj. Ela começou a treinar em 2010, ainda no 4º ano; fez a prova para valer no ano passado, no 5º ano e, como não passou, continua no cursinho na perspectiva de, agora, ser aprovada — mesmo que seja preciso repetir uma série. Ela garante que não se sente pressionada a passar, mas conta que ficará desapontada se não entrar em um dos colégios este ano.
— Já fiz a prova três vezes e sinto que estou melhorando. Nadar e morrer na praia também não dá, né? — diz. Coordenador do preparatório do 6º ano do Radical, o professor André Pereira explica que existe toda uma preocupação em trabalhar, junto com o conteúdo, o psicológico das crianças, fazendo com que elas encarem a prova de uma maneira tranquila. Ele conta também que tem evitado divulgar os resultados dos alunos para não estimular a concorrência entre eles.
— Antes, eu costumava pregar no quadro de aviso a lista dos primeiros colocados. Mas parei com isso porque observei que as crianças estavam ficando muito competitivas — afirma.
Fonte: O Globo (RJ)
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