No Brasil, a preocupação do poder público com as regras do politicamente correto chega a tais minúcias que as regulamentações dos comportamentos individuais e sociais se sucedem com velocidade incalculável. Regula-se tudo por aqui e chego a desconfiar que disso a população em nada se beneficia, eis que o excesso de proteção do Estado acaba não raro em detrimento dos protegidos.
A propósito de melhorar a vida das pessoas, o que se faz de fato é continuamente invadir sua privacidade e obrigá-las a submeter-se a procedimentos nem sempre condizentes com a sua liberdade de escolher e de agir. Corre-se o risco de, em breve, alguém inventar uma lei ou um decreto que proíba e puna os que escolherem o suicídio como forma de morrer! Não que ao poder público não caiba competência para combater excessos prejudiciais ao direito de terceiros, mas isso não significa invadir em demasia os limites de cada um. Dentro desses, a liberdade deve ser respeitada, não cabendo ao Estado nela intervir, como se toda a população fosse composta de imaturos e irresponsáveis.
Essas observações me assaltam a propósito da leitura de uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo (“Sem educação formal, irmãos ganham prêmio”, 27/5/2012), em que se informa o bom resultado de uma educação caseira ministrada pelos pais aos três filhos, na cidade mineira de Vargem Alegre. Impressionam-me alguns comentários de Educadores e autoridades, segundo os quais o processo educativo nacional, tal como está regulamentado na Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proíbe os pais de educarem os filhos em casa, em vez de enviá-los para a escola.
Tenho mais de meio século de intimidade com a legislação do Ensino neste país e não estou convencido de que cometem crime os pais que educam crianças e jovens no seio da família, em substituição às escolas. As duas leis citadas pelos entrevistados tratam de casos de omissão dos pais e, principalmente, dos governos, que têm o dever de assegurar educação a todas as crianças e jovens, na rede escolar. Tanto que essa matéria é abordada no capítulo da LDB que cuida de um direito público subjetivo, isto é, o direito da criança de ter sempre matrícula garantida na idade escolar apropriada (artigo 5º). Tanto que os parágrafos desse artigo estipulam as formas de o poder público desempenhar com sucesso essa sua competência.
O próprio artigo 6º, que diz ser dever dos pais efetuar a matrícula dos menores na escola, visa mais a obrigar os omissos (geralmente chefes de famílias das camadas mais excluídas da sociedade) a fazê-lo, não implicando necessariamente em crime para os que (talvez até mesmo por excesso de consciência de sua responsabilidade em relação à boa formação dos filhos) prefiram educá-los em casa. E o fracasso escolar da educação básica brasileira nos últimos tempos até que justifica amplamente essa tomada de decisão, a qual, aliás, diga-se de passagem, caracteriza casos de absoluta exceção e não chegam a comprometer a regra, que é a da matrícula da prole no Ensino formal.
O ECA, por sua vez, o que visa é à defesa da criança e do jovem quanto ao exercício de seu direito à educação, o que, por sinal, não ocorre com aqueles, cujos pais optam por educá-los no recesso do lar. São casos incomuns de educação esses patrocinados pelos pais, e que poderiam, no meu modo de ver, ser praticados livremente e sem crime, eis que as situações que a regra da lei quer prevenir referem-se sempre aos perigos de negação de cumprimento do dever de educar. Ao contrário, no lugar da escola está-se optando por outra educação, quiçá até mais qualificada do que essa que o Ensino brasileiro está a oferecer, no momento, a todas as crianças e jovens.
A mesma reportagem publicada com tanto destaque pelo jornal paulista refere-se também a um possível projeto de lei de um deputado federal, que pretende regulamentar a matéria da educação básica domiciliar. Uma discutível iniciativa, acho eu. Primeiro, porque se trata de casos excepcionais e, depois porque a própria LDB (artigo 30, §2º) prevê exames destinados a aferir e reconhecer “conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos por meios informais”, o que nos induz a entender não haver crime em ser alguém educado fora do Ensino formal.
Quiçá valesse a pena prever uma emenda a esse dispositivo, diminuindo a idade limite, para que jovens com menos de 15 e 18 anos possam formar-se respectivamente nos conhecimentos correspondentes aos Ensinos fundamental. De qualquer forma, o tema, dada a atualidade, mereceria inspirar seminários de aprofundamento a serem levados a cabo por universidades, faculdades e conselhos de educação.
Paulo N. P. Souza, presidente da Academia Paulista de Educação, Correio Braziliense (DF)
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