"É preciso acabar com as dicotomias e estimular a leitura sem preconceito, tanto na infância como na adolescência. Esse desafio deve instigar o trabalho do professor", afirma a argentina Cecilia Bonjur.
Formada em Letras e especialista em literatura infantil e juvenil, Cecilia é crítica de livros para crianças e adolescentes, com atuação na formação de professores e mediadores de leitura. Ela esteve no Brasil para participar do seminário Conversas ao Pé da Página, onde conversou com o Estado.
Como a senhora avalia o trabalho de fomento à leitura que os Docentes fazem em sala de aula? Eles estão preparados para a tarefa?
Acredito que toda formação dirigida a professores precisa partir do princípio de que eles são leitores e acreditar, de fato, que são capazes de fazer. Se pensarmos no que não sabem, no que não têm, apenas os desvalorizamos. E não se pode subestimá-los. Isso não significa tirar deles a responsabilidade sobre sua formação, mas ter confiança no que podem realizar e lhes dar ferramentas para isso.
Quais tipos de ferramentas?
É importante criar dispositivos de formação contínua que deem conta da carência de formação de base dos Docentes, porque jornadas e cursos curtos são insuficientes. Pode ser custoso e demorado, mas vale a pena se pensarmos que a atitude do professor pode determinar se uma criança vai ou não gostar de ler.
Mesmo porque esse estímulo tem diminuído dentro das famílias, não é?
Isso é fato. Há muitas casas sem livros e sem leitores. Por isso, é tão importante que as bibliotecas escolares cresçam, que seus acervos sejam mais profundos, que se aproveitem todas as oportunidades de construir pontes entre o conteúdo das salas de aula e a biblioteca. E estamos em um momento bom para pensar nessas pontes.
Por quê?
Porque o problema da leitura sempre foi menos grave nos países com mais possibilidade de acesso a bens culturais. Mas hoje temos um momento migratório muito grande e, além disso, o primeiro mundo está vivendo uma crise econômica que parecia que só pertencia a países pobres. A desigualdade está repartida e isso é bom para pensar estratégias mundiais de aumento do acesso aos livros.
Não parece difícil conquistar leitores de material impresso na era da internet?
Devemos fazer com que os leitores tenham acesso aos múltiplos suportes e deixar claro que no mundo das tecnologias não está todo o conhecimento estabelecido. Há algumas limitações que só deixam de existir quando a aprendizagem é vinculada aos livros. Quando os Alunos começam a encontrar os tesouros e desafios dos livros, eles se deixam seduzir.
Daí, a importância do mediador bem formado...
Sim, porque a criança se deixa seduzir quando os mediadores são sedutores, transmitem essa paixão. Por isso, a importância do bibliotecário, que é o profissional que conhece tanto os livros quanto os Alunos. Porque o professor conhece os Alunos de seu curso. O bibliotecário vai além. Ele abre o jogo da descoberta e acompanha o crescimento dos leitores dia após dia. Se houver um trabalho em parceria com o professor, é o cenário ideal para o nascimento de leitores potentes que podem influenciar a família toda.
Com a participação da escola?
Isso. Porque há pais realmente omissos em relação à leitura e incentivo aos filhos. Mas muitos deles não o fazem porque realmente não têm condições materiais ou por achar que não têm capacidade, que os bens culturais não são para eles. É aí que a escola entra na história, e as bibliotecas são lugares excelentes para essa manifestação contracultural que gere confiança e hospitalidade.
E como fica a seleção dessa literatura a ser apresentada?
Eu não subestimaria nenhum tipo de leitura. Acredito que as escolas e as bibliotecas devem receber os leitores com o mundo que eles trazem, com as leituras que têm e, a partir daí, ampliar os horizontes, sugerir aprofundamentos. Se você opõe o best-seller à cultura culta, gera outra falsa dicotomia. Me parece muito mais interessante a convivência de cultura, a mestiçagem, as hibridações.
E, no caso das crianças, vale desafiá-las?
Sim. Entre adultos, há uma falsa impressão de que a leitura infantil deveria ser simples e representar coisas próximas às crianças. Essa visão é equivocada e tem a ver com preconceitos e versões simplistas de teorias psicopedagógicas. O professor não pode agir assim. Ele precisa saber quem são seus leitores e pensar em didáticas mais profundas e flexíveis, em vez de simplesmente ignorar o tipo de leitura que, previamente, ele pode considerar inadequada.
O que é adequado?
Qualquer coisa. Desde que se considere o leitor como poderoso, potente. Não se pode esquecer, nunca, que a valorização dos leitores passa por colocar à disposição deles textos desafiantes, que comovem e colocam para funcionar a inteligência e o coração ao mesmo tempo. Quando se faz isso, fica clara a constatação: as crianças são ávidas leitoras de mundos estranhos, distantes e metafóricos, e se sentem muito agradecidas quando os adultos as tratam como gente que pode, que consegue. Todo pai e todo professor deveria ter isso em mente.
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário