A recente divulgação dos dados da oitava edição do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, com apoio do Ibope, oferece um painel extenso e consistente dos níveis de alfabetismo de jovens e adultos brasileiros nos últimos dez anos.
Diferentemente das estatísticas fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que se baseiam em dados autodeclarados, o Inaf é realizado por meio de uma entrevista e um teste, avaliando efetivamente as habilidades de leitura, escrita e Matemática de brasileiros entre 15 e 64 anos de idade, classificando-os em quatro níveis de Alfabetização: Analfabetos, alfabetizados em nível rudimentar - estes dois considerados como Analfabetos funcionais -, alfabetizados em nível básico e alfabetizados em nível pleno - considerados juntos como alfabetizados funcionalmente. É este último nível, o pleno, que precisamos universalizar, pois é a condição necessária para a inserção digna e autônoma na atual sociedade, crescentemente complexa.
Os dados revelam que o Brasil parece ainda não se ter dado conta da urgência e da gravidade dos problemas que enfrenta no campo da Educação.
Ainda que se tenha reduzido a proporção de Analfabetos funcionais e aumentado os que estão no nível básico, é preciso mais, bem mais. Nossas atenções devem estar voltadas para o nível pleno de alfabetismo - e aqui houve retrocessos preocupantes. Entre 2001 e 2011, o domínio pleno da leitura caiu de 22% para 15% entre os que concluíram o Ensino fundamental II, e de 49% para 35% entre os que fizeram o Ensino médio. Com Ensino superior, 38% não chegam ao nível pleno.
Como referência, no nível pleno estão as pessoas que conseguem ler e compreender um artigo de jornal, comparar suas informações com as de outros textos e fazer uma síntese dele. Em Matemática, as que resolvem problemas envolvendo porcentuais e proporção, além de fazerem a interpretação de tabelas e gráficos simples.
Não conseguimos avançar do básico para o pleno, nível estagnado há dez anos. Mesmo que o Inaf não seja um indicador Escolar, pesquisando até mesmo pessoas que nunca tiveram acesso à Escola, podemos atribuir parte desses resultados, justamente, à falta de acesso e à insuficiente aprendizagem dos Alunos ao longo da Educação básica. Ainda hoje não conseguimos garantir que todas as crianças e todos os jovens estejam na Escola e adquiram as habilidades esperadas em cada série em disciplinas básicas como Português e Matemática.
Tal situação evidencia a urgência de um investimento eficiente, consistente e focado nos anos iniciais. É neles que todo o problema começa, mas também é neles que a solução deve nascer.
Portanto, como sociedade, precisamos exigir que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas até os 8 anos de idade. Sem se perder em discussões ideológicas estéreis, sem concessões de espécie alguma. É um direito de nossas crianças, que precisa ser assegurado.
Esse é o primeiro passo, e ainda estamos muito longe de considerá-lo um patamar vencido. A Prova ABC - a primeira avaliação externa da Alfabetização das crianças de 8 anos realizada em 2011 pelo movimento Todos Pela Educação, pelo Instituto Paulo Montenegro/Ibope, pela Fundação Cesgranrio e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) - mostrou que pouco mais de metade das crianças avaliadas apresentara aprendizado adequado em leitura e escrita no final do terceiro ano do Ensino fundamental, e essa proporção cai para pouco mais de 40% em Matemática. As que não conseguem alfabetizar-se nessa etapa passam a acumular lacunas cada vez maiores, o que dificulta ou até mesmo impossibilita a sua aprendizagem nas etapas posteriores.
Dessa maneira, os dados revelados pelo Inaf 2012, somados aos indicadores produzidos pela Prova ABC, expõem o grande desafio educacional deste início do século 21: garantir a todos a Alfabetização plena, pré-requisito para a garantia do aprendizado ao longo de toda a vida Escolar de crianças e jovens.
Para mudar esse cenário é fundamental avançarmos rapidamente na agenda que deveria ter sido cumprida no século passado e romper com o descaso histórico com a qualidade da Educação, direcionando muito mais esforços para assegurar que todos os Alunos atinjam a competência em leitura, escrita e Matemática. E para isso é necessário começar pela base, desde a Educação infantil.
O Sistema de Avaliação da Educação básica (Saeb) - a avaliação bianual realizada pelo Inep para monitorar a aprendizagem no final de cada ciclo - comprova essa tese. A pontuação média em Língua Portuguesa dos Alunos do terceiro ano do Ensino fundamental que não cursaram a Educação infantil é de 169, enquanto a dos que a cursaram é de 187. Se a Educação infantil tivesse uma qualidade muito boa no Brasil, esse impacto seria ainda maior.
Todas as evidências científicas apontam para a qualidade dos Professores como fator determinante. Um bom Professor é um ótimo começo. Assim, é preciso atrair os melhores Professores para essa etapa do Ensino, os mais experientes e mais bem preparados para trabalhar com as crianças que cursam os anos iniciais. As faculdades de Educação precisam ser reformuladas, colocando o foco na aprendizagem dos futuros Alunos de seus Alunos.
É vergonhoso que o país que tem o sexto produto interno bruto (PIB) do mundo esteja entre os piores em Educação. Não obstante o Brasil conseguir acumular riquezas, não consegue distribuí-las de forma justa, e a má distribuição de renda é reflexo da Educação de baixa qualidade.
Mais do que garantir Escola para todos, é preciso universalizar a aprendizagem.
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)
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